Palestra: “Pornography, Documentary, Confession, Masturbation, Community” por Thomas Waugh

Os Programas de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF têm a alegria em convidá-lxs para a palestra “Pornography, Documentary, Confession, Masturbation, Community” a ser realizada pelo Prof. Thomas Waugh (Concordia University, Canadá), no dia 3 de Agosto (próxima segunda-feira), às 19 hs., no Auditório da CPM da Escola de Comunicação da UFRJ (Campus da Praia Vermelha – Av. Pasteur, 250 fundos). A entrada é livre e gratuita. A palestra será em inglês sem tradução. Serão exibidos trechos de filmes durante a apresentação.

Thomas Waugh, nascido no ano de “Aag”, “Boogie-Doodle”, “Feeling of Hostility”, “Louisiana Story”, “Festim Diabólico”, “Poeira de Estrelas”, e de “La Terra Trema”, é Concordia Research Chair in Sexual Representation and Documentary e autor do clássico Hard to Imagine: Gay Male Eroticism in Photography and Film from their Beginnings to Stonewall (1996) bem como de The Romance of Transgression in Canada: Sexualities, Nations, Moving Images (2006), Montreal Main (2010) e das coletâneas de artigos Fruit Machine: Twenty Years of Writings on Queer Cinema (2000) e The Right to Play Oneself: Looking back on Documentary Film (2011). Ele também organizou Show Us Life: Towards a History and Aesthetics of the Committed Documentary (1984), Challenge for Change: Activist Documentary at the National Film Board of Canada (com Michael Baker e Ezra Winton, 2010), The Perils of Pedagogy: The Works of John Greyson (com Brenda Longfellow e Scott MacKenzie, 2013), Outlines: Underground Gay Graphics From Before Stonewall (2002), Lust Unearthed: Vintage Gay Graphics from the Dubek Collection. (com Willie Walker, 2004), Gay Art: A Historic Collection (com Felix Lance Falkon, 2006), e Comin’ At Ya! The Homoerotic 3-D Photographs of Denny Denfield. (com David L. Chapman, 2007). Em breve será publicado The Conscience of Cinema: the Film of Joris Ivens. Sua pesquisa atual decorre de uma perspectiva interdisciplinar sobre confessionalidade. Ele é também editor com Matthew Hays da coleção Queer Film Classics (Arsenal Pulp Press, Vancouver) e diretor da Concordia Community Lecture Series sobre HIV/AIDS, inaugurada em 1993. Para mais informações sobre o pesquisador consultar http://www.concordia.ca/finearts/cinema/faculty.html….
Para informações atualizadas sobre o evento favor consultar: https://www.facebook.com/events/1523681747921984/

Nex frutos

Nex frutos

Saindo do forno, um artigo que tem direta ligação com as discussões empreendidas no Nex.

http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/view/1042/789

Nesse artigo, tento pensar os diálogos possíveis entre o documentário e a pornografia partindo da ideia de mobilização de desejos e saberes presentes em ambos os domínios. O excesso é aqui um mobilizador de desejos de saber e de ver que se articulam na série Real People, Real Life, Real Sex, do realizador Tony Comstock. Damon and Hunter

Os filmes articulam documentário e pornografia em uma promessa de apresentação ao olhar público da intimidade dos seus personagens, performada a partir de falas e números sexuais. Nesse sentido, a ideia de um real associado ao excesso de visibilidade é reafirmada enquanto commodity e enquanto fonte de prazer visual e voyeurístico. Os filmes jogam com um desejo pelo “real” (que contemporaneamente parece se associar ainda mais com a ideia de intimidade partilhada, trazida a público, no excesso de visibilidade), desejo que é traduzido em promessa pela tessitura documental e pornográfica dos filmes.

Enfim, reflexões para circular, para debater.

E também para agradecer aos colegas do grupo de pesquisa pois certamente são ideias que ganharam corpo com os encontros.

“Am I alive or am I dead?”: A volta da L7 e a importância de bandas de rock femininas/feministas

“Am I alive or am I dead?”: A volta da L7 e a importância de bandas de rock femininas/feministas

A semana passada — sendo mais específica, o dia 10 desse mês — trouxe uma ótima novidade para todos aqueles que são fãs irrecuperáveis da banda de punk rock feminista L7. Uma notícia no site oficial e na fanpage da banda, levava a esperança de que uma possível reunião poderia acontecer, após o repentino fim no ano de 2000. Apenas um pedido foi feito a gama de fãs da cena online da banda: “Nós precisamos do seu entusiasmo contínuo, que vocês espalhem a palavra ao compartilhar nossos posts, e fazendo com que seus amigos e inimigos curtam nossa página no Facebook.”

As cartas foram distribuídas e os dados foram rodados. A L7 colocou sua possível reunião na capacidade com que seus fãs terão de colocá-las em evidência, como nos anos 90, agora com  a internet como uma ferramenta de interlocução entre todos os meios recorrentes.

No entanto porque para essa coluna é tão interessante que essa ação esteja acontecendo?

Bom, primeiramente, a L7 é uma banda de punk rock feminista (a autora não se responsabiliza pelo gosto musical dela poder ter algum tipo de influência sobre vocês), envolvida em causas em prol da mulheres — o Rock for Choice é uma fundação criada pela banda que visa lutar pelos direitos básicos da mulher, como, por exemplo, a legalização do aborto — e elas são boas demais, ganharam um espaço dentro da cena punk que foi constituída como uma cena majoritariamente masculina e — por consequência — machista. Elas são respeitadas por mulheres, homens e fizeram isso lutando pelo gênero feminino!

Kristen Schilt, pesquisadora da Universidade de Chicago, apresenta em seu texto “‘Riot Grrrl Is…’: The Contestation over Meaning in a Music Scene” um motivo para a cena de punk rock feminino estar tão ligada, por parte das integrantes, ao movimento feminista. A necessidade e a vontade de afrontar as regras do patriarcado fizeram com que feministas se voltassem para o movimento punk que, é por si só — como aponta David James em “Poesia/Punk/Produções: Alguns textos recentes em Los Angeles” — um movimento de rebelião contra os padrões sociais impostos, ironizando-os e os negando. Essa característica, de questionamento e não aceitação da naturalização, atraíram as militantes feministas como mariposas são atraídas para a luzes brancas, isso fez com que, entre as décadas de 80/90 surgissem cada vez mais bandas como Pussy Riot, Bikini Kill, The Distillers e L7. Com suas formações tendo uma maioria de mulheres, onde a questão central era a liberdade de expressão, sexual e de existir sendo mulher.

Segundo a professora e especialista em feminismo e estudos de gênero Gayle Wald, foi justamente nos anos 90 em que as artistas femininas se aventuraram no rock e em suas subculturas, sem serem membros apagados e sem evidência, mas como líderes com vozes que eram escutadas. Elas celebram a feminilidade e combatem através de suas composições e performances, os discursos machistas que se inserem dentro das subculturas musicais onde o comum era o domínio do masculino. É dentro desse contexto que a L7 ganhou evidência. Questionadoras, punk rockers e feministas, as 4 integrantes não aceitavam ficar nos bastidores, já estavam inseridas no nicho do punk rock desde o início dos anos 80 e chamaram muita atenção de muita gente.

Um exemplo de como elas valorizam a questão das lutas feministas era a preferência que elas davam para covers de bandas femininas. Inclusive, em 91, a banda organizou um álbum intitulado Spirit of’73: Rock for Choice com o objetivo de ajudar a sua organização — Rock for Choice — de apoio e luta em prol dos direitos das mulheres. O disco reunia bandas femininas dos anos 90, tocando covers de bandas femininas dos anos 70.

Outro exemplo, é a discussão da liberdade sexual, do “faço do meu corpo o que quero”. Em 2000 — o ano em que se deu o fim da banda — Dee Plakas, a baterista do L7, decidiu rifar uma noite de sexo na Inglaterra. A banda afirmou que se tratava de uma retribuição a tudo que os fãs ingleses e a Inglaterra havia as oferecido, desde uma ótima turnê, até material para masturbação desde que eram crianças. Kristen Schilt mostra que comportamentos agressivos e chocantes são comuns entre mulheres punk, já que elas estão inseridas numa cena hardcore, onde a evidência é o masculino e a masculinidade. O caminho encontrado para as mulheres saírem do backstage não poderia ser outro além da violência — não necessariamente física — para se equiparar ao homem punk.

A importância de bandas de rock de mulheres é inegável. É preciso ter a compreensão de que, dentro do rock e de seus subgêneros, não existe somente o homem, mesmo que ele seja deveras mais valorizado. As mulheres que pretendem e querem se inserir nesse meio precisam conhecer seu próprio empoderamento e espaço, para isso, bandas como a L7 são fundamentais. Por isso é muito importante que entendamos o peso que é uma possível reunião desse marco que contribuiu para a entrada de muitas meninas da cena punk, agora vamos observar a forma interessante que elas decidiram por incentivar os fãs a participarem dessa volta.

A nova mídia se mostra, como diz David E. James em “Poesia/Punk/Produção: Alguns textos recentes em Los Angeles”, com uma “postura clássica, mais fria e muito mais consciente de si”. Como resposta a esse posicionamento “estúpido”, a cena punk ainda existente ignora meios de massa como a televisão, e se utilizam da melhor forma possível da internet, ferramenta muito mais passível de utilização com o objetivo de passagem de informações corretas e interações. Como se fosse uma ampliação das antigas fanzines, a internet com seus web sites, redes sociais, fóruns e comunidades, funciona como uma forma de comunicação, criando, assim, uma fortíssima cena punk rock online.

Os pesquisadores Marildo Nercolini e Lucas Waltenberg falam um pouco sobre essa não tão nova forma de interação no online no artigo “Novos mediadores na crítica musical”. Entende-se que com a chamada Web 2.0 (termo de Tim O’Reilly) existe uma facilitação entre a comunicação artista/consumidor. O leitor de uma crítica ou a pessoa que escuta uma música se tornam com uma facilidade muito maior criaturas ativas ao “publicar, compartilhar, comentar e participar”, em relação ao seu objeto de afeição. A cena punk sempre teve um “quê” de comunitário, portanto é mais do que lógico que ela se encaixe muito bem com a ideia de proximidade disseminada pela Web 2.0. É por isso que faz muito sentido que a L7 convide para que seus fãs; que fazem parte da comunidade online, participando de sua fanpage, olhando o site da banda e ficando atento as informações, as ajudem a se reencontrarem. A banda possui um histórico de interação muito interessante com a plateia e é claro que uma ação desse nível não ficará fora da atenção daqueles que a cultuam.

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Portanto, é importante que saibamos qual o devido valor de uma ação como esta. Uma banda de punk rock feminina, que influenciou — e influencia até hoje — milhares de meninas a não desistirem de tocar suas guitarras, baterias, baixos ou qualquer instrumento antes dominado por uma maioria masculina, está prestes a voltar a fazer seus gigs alucinantes e polêmicos e convida que todos os fãs “espalhem a palavra”, para que cada vez mais pessoas possam conhecer a música feita por ela. Se este ato der bons resultados, será uma lição ótima para aqueles que são céticos quanto a importância da cena online. Mesmo que a movimentação seja pequena, isso já é de extrema importância para o feminismo, pois são mulheres empoderadas e mostrando isso, para que o mundo possa ver e aplaudir.

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Making a shame of itself! Daily Mail e a demonização do seio feminino.

Making a shame of itself! Daily Mail e a demonização do seio feminino.

No dia 29 de Junho de 2013, a revista eletrônica famosa por seus “scoops” sensacionalistas Daily Mail, lançou um artigo sobre a apresentação de uma cantora com o título de: “Making a boob of herself! Amanda Palmer’s breast escapes her bra as she performs on stage at Glastonbury”, seguido por uma foto do peito “escapulido” no meio da performance.

Apenas para começar a discussão, podemos dizer que o Daily Mail cometeu dois equívocos básicos: o primeiro, falar de Amanda Palmer, artista que preza sua performance mais do que como ela, efetivamente, dá as caras em jornais e revistas. O segundo, falar do seio de Amanda Palmer, que resolveu aparecer, como sempre o faz — deixando, assim, qualquer novidade nessa informação como sendo apenas mais uma rotina dos shows de Palmer.

No entanto, a atitude sensacionalista da revista eletrônica não passou batida e, em minha opinião, esse foi terceiro erro do Daily Mail. Amanda está acostumada a comprar briga com gravadoras, veículos de mídia de massa e, até mesmo, com sua comunidade de fãs hipercríticos dentro da internet. Podemos dizer que nada disso, nem a mostra do seio, nem a briga por implicância, é uma novidade para o universo Amanda Palmer. Ela, prontamente, escreveu uma carta aberta em resposta — sendo tudo, menos afável — e a musicou, fazendo o que ela sabe fazer melhor: performando de forma chocante para olhos mais conservadores.

https://www.youtube.com/watch?v=RRWp4B0qsW8

Vamos a carta:

dear daily mail,
it has come to my recent attention
that me recent appearance at glastonbury festivals kindly received a mention
i was doing a number of things on that stage up to and including singing songs (like you do…)
but you chose to ignore that and instead you published a feature review of my boob

dear daily mail,
there’s a thing called a search engine: use it!
if you’d googled my tits in advance you’d have found that your photos are hardly exclusive
in addition you state that my breast had escaped from my bra like a thief on the run
you do you know that it wasn’t attempting to just take in the RARE british sun?

dear daily mail,
it’s so sad what you tabloids are doing
your focus on debasing women’s appearances ruins our species of humans
but a rag is a rag and far be it from me to go censoring anyone OH NO
it appears that my entire body is currently trying to escape this kimono….

dear daily mail,
you misogynist pile of twats
i’m tired of these baby bumps, vadge flashes, muffintops
where are the newsworthy COCKS?
if iggy or jagger or bowie go topless the news barely causes a ripple
blah blah blah feminist blah blah blah gender shit blah blah blah
OH MY GOD NIPPLE

dear daily mail,
you will never write about this night
i know that because i’ve addressed you directly i’ve made myself no fun to fight
but thanks to the internet people all over the world can enjoy this discourse
and commune with a roomful of people in london who aren’t drinking kool-aid like yours

and though there be millions of people who’ll accept the cultural bar where you have it at
there are plenty of others who’re perfectly willing to see breasts in their natural habitat

i keenly anticipate your highly literate coverage of upcoming tours

dear daily mail,
UP YOURS.

AFP

Poderíamos analisar trecho por trecho da música, mas vamos ao que mais interessa nessa coluna, a questão da disputa sobre o corpo. Judith Butler, em seu texto “Performative Acts and Gender Constitution: An Essay in Phenomenology” lembra-nos que o corpo é algo sexual e profere suas próprias experiências e significados. Ele é e representa tudo aquilo pelo que passou. Michel Foucault mostra no icônico “A Microfísica do Poder” que os corpos estão em disputa constante pelo poder de apenas ser, existir e sentir como bem entender. Tendo isso em mente, que o corpo é algo histórico e que está em uma constante batalha pela libertação, se lermos o texto da pesquisadora Paula Sibilia, “O Corpo Reinventado pela Imagem”, podemos entender um pouco porque o sensacionalismo no Daily Mail acontece ao entorno do seio de Amanda Palmer e porque a resposta da cantora é tão coerente.

Sibilia ressalva que o problema não é a nudez em si, mas quem “pode” ficar sem roupas. Usando uma icônica frase de Foucault, “Fique nu, mas seja magro, bonito, bronzeado”. A “nudez involuntária”; ou o flagra da calcinha, o flagra da sem calcinha, ou — nesse caso — o peito que escapole da roupa, são coisas não desejadas pela mídia sensacionalista. Aliás são até mesmo ridicularizadas pela mídia, como foi o teor da “reportagem” do Daily Mail. Ou seja, Palmer estaria de alguma forma provocando e incentivando uma forma de exposição que incomodou, por algum motivo, a revista eletrônica — sendo ela uma mídia com valores “tradicionais”. Mesmo Amanda sendo uma artista que já ficou nua em lugares como shows, passando por vídeo clipes e até no tapete vermelho.

Poderíamos expandir essa discussão que, parte do moralismo da mídia de massa, é um resultado de alguns discursos feitos pelas feministas puritanas norte americanas, e mostrado por Lipovetsky. A lógica da valorização do corpo feminino ao mantê-lo longe dos olhos públicos, que era um discurso das feministas anti pornografia, por exemplo, ainda é uma das falas reproduzidas, através de atos que poderiam ser chamados carinhosamente de “slut shaming”, por muitos meios de comunicação atuais, incluindo o Daily Mail ( essa revista “fascistinha”, como disse uma vez um amigo meu).

A resposta performativa de Amanda Palmer — incluindo a completa nudez ao final — é um bom “tapa na cara” pra muitos dos meios que consumimos e que controlam o corpo feminino visando a “moral dos bons costumes sociais”, mesmo que, como fala Paula Sibilia, esses mesmos meios idolatrem signos descendentes da pornografia. Um exemplo são as propagandas de lingerie, cerveja e carro, onde a mulher é tida extremamente sexualizada, quando não semi nua, mas ainda assim bem vista pela massa — afinal, ela está ali fazendo o seu papel de se mostrar para o masculino. Realmente é um convite a nudez, desde que seja mediada.

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Catarina, feminismo e a guerra dos sexos: parte 2

Catarina, feminismo e a guerra dos sexos: parte 2

“Eita raça desunida

Feminismo não existe

Quando rola é uma pica”

O trecho acima é da última faixa do álbum Mulher Cromaqui, “Raça Desunida”, de Catarina. Uma coisa interessante de ser observada é que essa faixa foi vista por alguns jornalistas e blogueiros que a interpretaram como uma sátira as “então ditas feministas”. Um equívoco. Catarina rebateu a algumas críticas em seu próprio Facebook e em entrevistas que podem ser vistas online, mas vamos a análise da música em si.

Lipovetsky fala em um texto no seu livro “A terceira mulher: permanência e revolução do feminino”, sobre as diferenças que passam a surgir no “neofeminismo” por conta do “individualismo processualista”. Ou seja, enquanto ressalta que existe uma cultura da vitimização por parte de feministas norte americanas, que visam um maior controle público da vida privada, enchendo a sociedade de leis anti pornografia, assédio sexual, códigos comportamentais e de linguagem, também existe o feminismo europeu, mais prático e que dá a liberdade do convívio entre ambos os gêneros, sem sobreposições.

A preocupação mostrada por Lipovetsky é de que, o que ele chama de, “ultrafeminismo neoliberal” induza o fim do convívio entre gêneros ou a sua diminuição, já que ele se utiliza de meios legais para que aconteça uma repressão sexual. Leis que inicialmente, podem vir a evitar crimes repugnantes, mas que também podem inferiorizar a mulher e seus próprios desejos sexuais, já que essas “regras de bom convívio” têm raiz no puritanismo religioso. O pudor prezado pela sociedade americana, e, inevitavelmente, pelas feministas estadunidenses, é o mesmo pudor protestante que usa o sexo como ferramenta de poder, para oprimir o ser feminino. É contra isso que as ultrafeministas lutam, usando os meios legais, mas que acabam por ressaltar o discurso de opressão ao corpo feminino – quando lutam em favor de leis contra a pornografia, por exemplo.

Em contra partida, Gilles Lipovetsky aponta o lado das feministas europeias – cabe lembrar que o filósofo é francês – e que não concordam com as práticas das norte americanas.  Ele afirma que tanto na França, quanto em outros países europeus a categorização do ser masculino como um inimigo nato e um agressor natural não é levado a sério. O que ocorre na Europa é uma busca da igualdade entre gêneros, mas sem a exclusão total dos “jogos de sedução”. A busca é do respeito pelo respeito democrático, e não pelo medo judicial. De fato, Lipovestsky faz a seguinte colocação: “O modelo europeu nada tem de saudosista, antes encarna a maneira pós-moderna de modificar as relações entre sexos sem fazer tábua rasa do passado.”

Essas duas formas de pensar são muito diferentes, quase opostas. Então, cabe fazer a pergunta, como serão as formas de feminismo nos países fora do eixo Estado Unidos – Europa? Como será o feminismo no Brasil? No meu olhar, Catarina mostra como essa questão é complexa e ambígua dentro do solo verde e amarelo. Com a música “Raça Desunida” ela mostra não somente como a mulher é retratada na sociedade e na mídia (“Mulher já nasce assim”), mas também mostra, no refrão, a desunião das mulheres, isso incluindo as feministas, quando o assunto vem a ser os seres do sexo masculino (“Quero o seu macho/ Quero o seu irmão/ Quero o seu pai me pagando uma pensão”). Essa desunião acontece por conta da diferença de detalhes ideológicos, gerando brigas que “enfraquecem o movimento”.

Portanto, é possível dizer que dentro do país temos uma divergência de ideologias no próprio movimento feminista. É claro que muitos podem considerar a visão de Lipovetsky ultrapassada por ser tão dicotômica, ou antiga pela época em que ele escreveu. No entanto, a visão não é desatualizada se formos pensar no movimento feminista atual, mesmo dentro do solo brasileiro. De uma forma, Catarina mostra essa dicotomia, sendo ela feminista ativista, ressaltando a diferença entre pensamentos que desunem uma “raça”.

Essa desunião é, em parte, o que contribui para o imaginário machista social que dita mulheres como megeras falsas, “amigas fura olho”, de forma naturalizada, porque “mulher já nasce assim” e que ainda estimula alguns discursos impregnados de puro preconceito e subjugamento do gênero (“Saímos da cozinha/ Começou a confusão”). A questão da naturalização do “dever” feminino e os problemas ligados a ela também é constatado por Lipovetsky, que afirma que isso seria um traço da primeira mulher (a mulher mais submissa e inferiorizada), mas que é imposto socialmente à terceira mulher (a mulher mais moderna, que conhece e conquista seu espaço, mesmo com dificuldades) como forma de “naturalizar” o espaço que, para o patriarcado, deve pertencer a ela.

“Raça Desunida” se faz como uma crítica a essa visão que a sociedade e a mídia veiculam da mulher, mas também a ideia que sustenta esse tipo de pensamento. As próprias mulheres, com suas pequenas divergências quanto a posição em que deveria ser colocado o portador do falo, entram em desentendimentos contornáveis, mas que se mostram impossíveis de resolver por limitações ideológicas e sociais. Lipovetsky e Catarina concordam nesse sentido. A igualdade ou a justiça deveriam ser procuradas antes do movimento se desintegrar.

“Ninguém nunca ganhará a Guerra dos Sexos porque existe muita confraternização com o inimigo.” (Henry Kissinger)

“Não é preciso ser anti-homem para ser pró-mulher.” (Jane Galvin Lewis)

“Existem poucos trabalhos que exigem possuir um pênis ou uma vagina. Todos os outros deveriam ser acessíveis a todos.” (Florynce Kennedy)

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