por alepri | out 9, 2015 | NEX!!!
A Seita (dirigido por André Antônio, 2015) – uma produção do coletivo pernambucano Surto & Deslumbramento (http://www.deslumbramento.com/) faz sua estreia purpurinada no Festival do Rio.
e no sábado, dia 10/10 – às 16h45 o Nex marca presença no debate sobre o filme no Centro Cultural da Justiça Federal.
“Que o leitor não se escandalize com essa gravidade do frívolo, que se lembre de que há uma grandeza em todas as loucuras, uma força em todos os excessos” (Charles Baudelaire In. O Pintor da vida moderna, 1863, página 871)
As sessões:
* 09/10 – Cinépolis Lagoon 6 – 21h30.
* 10/10 – C. C. Justiça Federal 1– 16h45 (com debate mediado por Mariana Baltar – UFF).
* 11/10 – CCBB – Cinema 1 – 16h00.
por alepri | jul 30, 2015 | NEX!!!
Os Programas de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ e o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF têm a alegria em convidá-lxs para a palestra “Pornography, Documentary, Confession, Masturbation, Community” a ser realizada pelo Prof. Thomas Waugh (Concordia University, Canadá), no dia 3 de Agosto (próxima segunda-feira), às 19 hs., no Auditório da CPM da Escola de Comunicação da UFRJ (Campus da Praia Vermelha – Av. Pasteur, 250 fundos). A entrada é livre e gratuita. A palestra será em inglês sem tradução. Serão exibidos trechos de filmes durante a apresentação.
Thomas Waugh, nascido no ano de “Aag”, “Boogie-Doodle”, “Feeling of Hostility”, “Louisiana Story”, “Festim Diabólico”, “Poeira de Estrelas”, e de “La Terra Trema”, é Concordia Research Chair in Sexual Representation and Documentary e autor do clássico Hard to Imagine: Gay Male Eroticism in Photography and Film from their Beginnings to Stonewall (1996) bem como de The Romance of Transgression in Canada: Sexualities, Nations, Moving Images (2006), Montreal Main (2010) e das coletâneas de artigos Fruit Machine: Twenty Years of Writings on Queer Cinema (2000) e The Right to Play Oneself: Looking back on Documentary Film (2011). Ele também organizou Show Us Life: Towards a History and Aesthetics of the Committed Documentary (1984), Challenge for Change: Activist Documentary at the National Film Board of Canada (com Michael Baker e Ezra Winton, 2010), The Perils of Pedagogy: The Works of John Greyson (com Brenda Longfellow e Scott MacKenzie, 2013), Outlines: Underground Gay Graphics From Before Stonewall (2002), Lust Unearthed: Vintage Gay Graphics from the Dubek Collection. (com Willie Walker, 2004), Gay Art: A Historic Collection (com Felix Lance Falkon, 2006), e Comin’ At Ya! The Homoerotic 3-D Photographs of Denny Denfield. (com David L. Chapman, 2007). Em breve será publicado The Conscience of Cinema: the Film of Joris Ivens. Sua pesquisa atual decorre de uma perspectiva interdisciplinar sobre confessionalidade. Ele é também editor com Matthew Hays da coleção Queer Film Classics (Arsenal Pulp Press, Vancouver) e diretor da Concordia Community Lecture Series sobre HIV/AIDS, inaugurada em 1993. Para mais informações sobre o pesquisador consultar http://www.concordia.ca/finearts/cinema/faculty.html….
Para informações atualizadas sobre o evento favor consultar: https://www.facebook.com/events/1523681747921984/
por alepri | mar 9, 2015 | NEX!!!
Saindo do forno, um artigo que tem direta ligação com as discussões empreendidas no Nex.
http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/view/1042/789
Nesse artigo, tento pensar os diálogos possíveis entre o documentário e a pornografia partindo da ideia de mobilização de desejos e saberes presentes em ambos os domínios. O excesso é aqui um mobilizador de desejos de saber e de ver que se articulam na série Real People, Real Life, Real Sex, do realizador Tony Comstock.
Os filmes articulam documentário e pornografia em uma promessa de apresentação ao olhar público da intimidade dos seus personagens, performada a partir de falas e números sexuais. Nesse sentido, a ideia de um real associado ao excesso de visibilidade é reafirmada enquanto commodity e enquanto fonte de prazer visual e voyeurístico. Os filmes jogam com um desejo pelo “real” (que contemporaneamente parece se associar ainda mais com a ideia de intimidade partilhada, trazida a público, no excesso de visibilidade), desejo que é traduzido em promessa pela tessitura documental e pornográfica dos filmes.
Enfim, reflexões para circular, para debater.
E também para agradecer aos colegas do grupo de pesquisa pois certamente são ideias que ganharam corpo com os encontros.
por Mariana | mar 3, 2015 | NEX!!!
Tenho que confessar que relutei muito a escrever qualquer coisa sobre 50 Tons de Cinza. Não pelos motivos habituais que fazem algumas pessoas torcerem o nariz para os livros e o filme, a despeito de seu sucesso comercial. Não pela falsa vergonha moralista que levanta reações chocadas de algumas e alguns. Antes de mais nada, preciso dizer que nem a franca pornografia, nem o BDSM do livro me assustam, chocam ou revoltam. Sou desde há muitos anos, mesmo antes de me aventurar pelas pesquisas do excesso, uma ávida leitora dessa literatura popular pornográfica. E, tal como Beatriz Sarlo em seu ótimo livro dedicado a essas “novelas sentimentales” (sob o incrível título de El imperio de los sentimientos), acredito firmemente na importância dessa literatura na formação da moral, do desejo e da educação sentimental. Tais livros, que vem de uma linhagem muito antiga e que tem nas famosas séries Julia, Sabrina e Bianca sua vertente mais popular-massiva; são fundamentais e há muito fazem o gozo das mulheres, seu público mais fiel, tradicional e explicitamente demarcado. Por seu sucesso, penetração (sim, podem rir do duplo sentido!) e longevitude enquanto produto popular-massivo merecem ser pensados e considerados sem preconceitos hipócritas de ordem moral e/ou estética (que imputam um olhar de nojo que perpetua distinções de gosto e classe).
São textos que se estruturam numa lógica cultural fundamental da modernidade e que dizem respeito às replicações de fórmulas de apelo (até elas mesmas se reinventarem), às construções visuais e excessivas de pronta identificação e engajamento, ao melodrama subliminar que as embala e com isso nos embala enquanto leitores. Engajamento sensório-sentimental que leva à projeção empática e ao gozo, em exemplos claros de uma pedagogia das sensações que educa desejos e sentidos. Como todo fenômeno moderno, é extremamente ambivalente na sua ação moralizadora. E talvez, por isso mesmo, merece mais ainda nosso olhar cuidadoso, despido de falso moralismo e criterioso na reflexão.
Desde adolescente, leitora ávida de Julia, Sabrina e Bianca, nada disso me passava pela cabeça. Entrava no jogo pedagógico do sentimento e desejo. Hoje, sigo jogando esse jogo mas, talvez, de modo mais consciente, sabendo das armadilhas, me deliciando ainda que de modo reflexivo com elas. E é com esse saber/experiência acumulada que posso dizer que 50 Tons de Cinza (livro e filme) me dá muita preguiça. É uma péssima pornografia, que, para além do fato de em português ter sido muito mal traduzido, suas coreografias sexuais deixam muito a desejar. Claro que como fenômeno, o livro e filme não estão sozinhos. Fazem parte de um amplo e muito interessante movimento que faz com que algo que era marginal/alternativo dentro do próprio campo do pornográfico vá cada vez mais se mainstreamizando. O BDSM agora figura em muitas das obras desse vasto mundo da literatura popular pornográfica, sem contar no aumento de entradas de tags desse lifestyle (como gostam de ressaltar seus praticantes) em portais populares de conteúdo adulto. E, claro, como bom fenômeno ambivalente que é, essa assimilação se dá sob a égide de uma força moral que a torna aceitável. E essa força ainda é o contrato amoroso e heterossexual. Em todos os exemplos – do péssimo 50 Tons, aos razoáveis livros de Sylvia Day e, finalmente, aos incríveis livros de Christa Wick e Jordan Bell – o lifestyle BDSM se justifica pelo amor heterossexual em um franco e, sim importante!, ensinamento da condição consensual (força aqui nessa palavra) de uma relação e a centralidade do prazer partilhado. O que 50 Tons faz, e é por isso que me dá extrema preguiça; é misturar esses ensinamentos com coreografias sexuais pouco excitantes e imaginativas e com personagens que reiteram o pior do discurso individualista contemporâneo que valoriza o dinheiro e o consumo como signos de felicidade e plenitude. Acrescenta-se a isso o fato de que os livros e o filme em nada questionam padrões de corpo, etnia ou classe.
“Ah, mas você tá querendo demais, quer politizar a pornografia”, podem reclamar alguns. E sim, quero politizar a pornografia porque desde de há muito ela própria, enquanto mercado e enquanto campo cultural em disputa, se politiza.
Chego então ao que interessa. Finalmente. Amigas e amigos, de uma ávida leitora para ávidxs leitores, editores, tradutores: Tem coisa melhor nesse mundo da literatura popular pornográfica! Melhor naquilo que ela se propõe ser – popular-massiva, sentimental, romântica, instigadora de desejos e prazeres. Autoras independentes – algumas com auto-financiamento – que além de coreografias sexuais melhores conseguem expressar de modo mais complexo o jogo consensual que envolve o BDSM. E de quebra ainda trazem heroínas que fogem dos padrões explorando um outro nicho que aos poucos tem se mainstreamizado (embora ainda não tenha chegado amplamente ao mundo do espetáculo cinematográfico e audiovisual): as BBW (ou Big Beautiful Woman, mulheres gordas, cheinhas, com curvas, voluptuosas e outras tantas palavras usadas no texto para ressaltar de modo apreciativo seus corpos). Nesse sentido, a série de livros Training her curves, de Christa Wick , e The Curvy Submissive, de Jordan Bell e a Curvy Love Series, de Aidy Award são ótimos exemplos. Não se enganem, os livros seguem justificando tudo em nome do contrato amoroso e heterossexual, com direito a final feliz e declarações de amor eterno e monogâmico, encenando de um modo ainda que enviesado os desejos de família burguesa. Mas o fazem usando mão do BDSM, de um desenho de heroína mais empoderada e autônoma e abusando explicitamente de números sexuais que fazem parte da agenda da pornografia feminista (como a exaltação do sexo oral na mulher como fonte de prazer compartilhado e que coloca o prazer feminino no centro da ação). Essas três séries são alguns dos exemplos para além dos tons de cinza.
No mais, praticamente a melhor coisa que já vi sobre o filme foram as 5 razões das atrizes pornô da internet para odiarem 50 Tons de Cinza:
http://www.funnyordie.com/videos/3bcd4d7524/5-reasons-pornstars-hate-50-shades-of-grey
“Um insulto a pornografia”, dizem as atrizes. Assino embaixo.
por alepri | dez 19, 2014 | Performatividades
A semana passada — sendo mais específica, o dia 10 desse mês — trouxe uma ótima novidade para todos aqueles que são fãs irrecuperáveis da banda de punk rock feminista L7. Uma notícia no site oficial e na fanpage da banda, levava a esperança de que uma possível reunião poderia acontecer, após o repentino fim no ano de 2000. Apenas um pedido foi feito a gama de fãs da cena online da banda: “Nós precisamos do seu entusiasmo contínuo, que vocês espalhem a palavra ao compartilhar nossos posts, e fazendo com que seus amigos e inimigos curtam nossa página no Facebook.”
As cartas foram distribuídas e os dados foram rodados. A L7 colocou sua possível reunião na capacidade com que seus fãs terão de colocá-las em evidência, como nos anos 90, agora com a internet como uma ferramenta de interlocução entre todos os meios recorrentes.
No entanto porque para essa coluna é tão interessante que essa ação esteja acontecendo?
Bom, primeiramente, a L7 é uma banda de punk rock feminista (a autora não se responsabiliza pelo gosto musical dela poder ter algum tipo de influência sobre vocês), envolvida em causas em prol da mulheres — o Rock for Choice é uma fundação criada pela banda que visa lutar pelos direitos básicos da mulher, como, por exemplo, a legalização do aborto — e elas são boas demais, ganharam um espaço dentro da cena punk que foi constituída como uma cena majoritariamente masculina e — por consequência — machista. Elas são respeitadas por mulheres, homens e fizeram isso lutando pelo gênero feminino!
Kristen Schilt, pesquisadora da Universidade de Chicago, apresenta em seu texto “‘Riot Grrrl Is…’: The Contestation over Meaning in a Music Scene” um motivo para a cena de punk rock feminino estar tão ligada, por parte das integrantes, ao movimento feminista. A necessidade e a vontade de afrontar as regras do patriarcado fizeram com que feministas se voltassem para o movimento punk que, é por si só — como aponta David James em “Poesia/Punk/Produções: Alguns textos recentes em Los Angeles” — um movimento de rebelião contra os padrões sociais impostos, ironizando-os e os negando. Essa característica, de questionamento e não aceitação da naturalização, atraíram as militantes feministas como mariposas são atraídas para a luzes brancas, isso fez com que, entre as décadas de 80/90 surgissem cada vez mais bandas como Pussy Riot, Bikini Kill, The Distillers e L7. Com suas formações tendo uma maioria de mulheres, onde a questão central era a liberdade de expressão, sexual e de existir sendo mulher.
Segundo a professora e especialista em feminismo e estudos de gênero Gayle Wald, foi justamente nos anos 90 em que as artistas femininas se aventuraram no rock e em suas subculturas, sem serem membros apagados e sem evidência, mas como líderes com vozes que eram escutadas. Elas celebram a feminilidade e combatem através de suas composições e performances, os discursos machistas que se inserem dentro das subculturas musicais onde o comum era o domínio do masculino. É dentro desse contexto que a L7 ganhou evidência. Questionadoras, punk rockers e feministas, as 4 integrantes não aceitavam ficar nos bastidores, já estavam inseridas no nicho do punk rock desde o início dos anos 80 e chamaram muita atenção de muita gente.
Um exemplo de como elas valorizam a questão das lutas feministas era a preferência que elas davam para covers de bandas femininas. Inclusive, em 91, a banda organizou um álbum intitulado Spirit of’73: Rock for Choice com o objetivo de ajudar a sua organização — Rock for Choice — de apoio e luta em prol dos direitos das mulheres. O disco reunia bandas femininas dos anos 90, tocando covers de bandas femininas dos anos 70.
Outro exemplo, é a discussão da liberdade sexual, do “faço do meu corpo o que quero”. Em 2000 — o ano em que se deu o fim da banda — Dee Plakas, a baterista do L7, decidiu rifar uma noite de sexo na Inglaterra. A banda afirmou que se tratava de uma retribuição a tudo que os fãs ingleses e a Inglaterra havia as oferecido, desde uma ótima turnê, até material para masturbação desde que eram crianças. Kristen Schilt mostra que comportamentos agressivos e chocantes são comuns entre mulheres punk, já que elas estão inseridas numa cena hardcore, onde a evidência é o masculino e a masculinidade. O caminho encontrado para as mulheres saírem do backstage não poderia ser outro além da violência — não necessariamente física — para se equiparar ao homem punk.
A importância de bandas de rock de mulheres é inegável. É preciso ter a compreensão de que, dentro do rock e de seus subgêneros, não existe somente o homem, mesmo que ele seja deveras mais valorizado. As mulheres que pretendem e querem se inserir nesse meio precisam conhecer seu próprio empoderamento e espaço, para isso, bandas como a L7 são fundamentais. Por isso é muito importante que entendamos o peso que é uma possível reunião desse marco que contribuiu para a entrada de muitas meninas da cena punk, agora vamos observar a forma interessante que elas decidiram por incentivar os fãs a participarem dessa volta.
A nova mídia se mostra, como diz David E. James em “Poesia/Punk/Produção: Alguns textos recentes em Los Angeles”, com uma “postura clássica, mais fria e muito mais consciente de si”. Como resposta a esse posicionamento “estúpido”, a cena punk ainda existente ignora meios de massa como a televisão, e se utilizam da melhor forma possível da internet, ferramenta muito mais passível de utilização com o objetivo de passagem de informações corretas e interações. Como se fosse uma ampliação das antigas fanzines, a internet com seus web sites, redes sociais, fóruns e comunidades, funciona como uma forma de comunicação, criando, assim, uma fortíssima cena punk rock online.
Os pesquisadores Marildo Nercolini e Lucas Waltenberg falam um pouco sobre essa não tão nova forma de interação no online no artigo “Novos mediadores na crítica musical”. Entende-se que com a chamada Web 2.0 (termo de Tim O’Reilly) existe uma facilitação entre a comunicação artista/consumidor. O leitor de uma crítica ou a pessoa que escuta uma música se tornam com uma facilidade muito maior criaturas ativas ao “publicar, compartilhar, comentar e participar”, em relação ao seu objeto de afeição. A cena punk sempre teve um “quê” de comunitário, portanto é mais do que lógico que ela se encaixe muito bem com a ideia de proximidade disseminada pela Web 2.0. É por isso que faz muito sentido que a L7 convide para que seus fãs; que fazem parte da comunidade online, participando de sua fanpage, olhando o site da banda e ficando atento as informações, as ajudem a se reencontrarem. A banda possui um histórico de interação muito interessante com a plateia e é claro que uma ação desse nível não ficará fora da atenção daqueles que a cultuam.
Portanto, é importante que saibamos qual o devido valor de uma ação como esta. Uma banda de punk rock feminina, que influenciou — e influencia até hoje — milhares de meninas a não desistirem de tocar suas guitarras, baterias, baixos ou qualquer instrumento antes dominado por uma maioria masculina, está prestes a voltar a fazer seus gigs alucinantes e polêmicos e convida que todos os fãs “espalhem a palavra”, para que cada vez mais pessoas possam conhecer a música feita por ela. Se este ato der bons resultados, será uma lição ótima para aqueles que são céticos quanto a importância da cena online. Mesmo que a movimentação seja pequena, isso já é de extrema importância para o feminismo, pois são mulheres empoderadas e mostrando isso, para que o mundo possa ver e aplaudir.
por alepri | dez 5, 2014 | Performatividades
No dia 29 de Junho de 2013, a revista eletrônica famosa por seus “scoops” sensacionalistas Daily Mail, lançou um artigo sobre a apresentação de uma cantora com o título de: “Making a boob of herself! Amanda Palmer’s breast escapes her bra as she performs on stage at Glastonbury”, seguido por uma foto do peito “escapulido” no meio da performance.
Apenas para começar a discussão, podemos dizer que o Daily Mail cometeu dois equívocos básicos: o primeiro, falar de Amanda Palmer, artista que preza sua performance mais do que como ela, efetivamente, dá as caras em jornais e revistas. O segundo, falar do seio de Amanda Palmer, que resolveu aparecer, como sempre o faz — deixando, assim, qualquer novidade nessa informação como sendo apenas mais uma rotina dos shows de Palmer.
No entanto, a atitude sensacionalista da revista eletrônica não passou batida e, em minha opinião, esse foi terceiro erro do Daily Mail. Amanda está acostumada a comprar briga com gravadoras, veículos de mídia de massa e, até mesmo, com sua comunidade de fãs hipercríticos dentro da internet. Podemos dizer que nada disso, nem a mostra do seio, nem a briga por implicância, é uma novidade para o universo Amanda Palmer. Ela, prontamente, escreveu uma carta aberta em resposta — sendo tudo, menos afável — e a musicou, fazendo o que ela sabe fazer melhor: performando de forma chocante para olhos mais conservadores.
https://www.youtube.com/watch?v=RRWp4B0qsW8
Vamos a carta:
dear daily mail,
it has come to my recent attention
that me recent appearance at glastonbury festivals kindly received a mention
i was doing a number of things on that stage up to and including singing songs (like you do…)
but you chose to ignore that and instead you published a feature review of my boob
dear daily mail,
there’s a thing called a search engine: use it!
if you’d googled my tits in advance you’d have found that your photos are hardly exclusive
in addition you state that my breast had escaped from my bra like a thief on the run
you do you know that it wasn’t attempting to just take in the RARE british sun?
dear daily mail,
it’s so sad what you tabloids are doing
your focus on debasing women’s appearances ruins our species of humans
but a rag is a rag and far be it from me to go censoring anyone OH NO
it appears that my entire body is currently trying to escape this kimono….
dear daily mail,
you misogynist pile of twats
i’m tired of these baby bumps, vadge flashes, muffintops
where are the newsworthy COCKS?
if iggy or jagger or bowie go topless the news barely causes a ripple
blah blah blah feminist blah blah blah gender shit blah blah blah
OH MY GOD NIPPLE
dear daily mail,
you will never write about this night
i know that because i’ve addressed you directly i’ve made myself no fun to fight
but thanks to the internet people all over the world can enjoy this discourse
and commune with a roomful of people in london who aren’t drinking kool-aid like yours
and though there be millions of people who’ll accept the cultural bar where you have it at
there are plenty of others who’re perfectly willing to see breasts in their natural habitat
i keenly anticipate your highly literate coverage of upcoming tours
dear daily mail,
UP YOURS.
AFP
Poderíamos analisar trecho por trecho da música, mas vamos ao que mais interessa nessa coluna, a questão da disputa sobre o corpo. Judith Butler, em seu texto “Performative Acts and Gender Constitution: An Essay in Phenomenology” lembra-nos que o corpo é algo sexual e profere suas próprias experiências e significados. Ele é e representa tudo aquilo pelo que passou. Michel Foucault mostra no icônico “A Microfísica do Poder” que os corpos estão em disputa constante pelo poder de apenas ser, existir e sentir como bem entender. Tendo isso em mente, que o corpo é algo histórico e que está em uma constante batalha pela libertação, se lermos o texto da pesquisadora Paula Sibilia, “O Corpo Reinventado pela Imagem”, podemos entender um pouco porque o sensacionalismo no Daily Mail acontece ao entorno do seio de Amanda Palmer e porque a resposta da cantora é tão coerente.
Sibilia ressalva que o problema não é a nudez em si, mas quem “pode” ficar sem roupas. Usando uma icônica frase de Foucault, “Fique nu, mas seja magro, bonito, bronzeado”. A “nudez involuntária”; ou o flagra da calcinha, o flagra da sem calcinha, ou — nesse caso — o peito que escapole da roupa, são coisas não desejadas pela mídia sensacionalista. Aliás são até mesmo ridicularizadas pela mídia, como foi o teor da “reportagem” do Daily Mail. Ou seja, Palmer estaria de alguma forma provocando e incentivando uma forma de exposição que incomodou, por algum motivo, a revista eletrônica — sendo ela uma mídia com valores “tradicionais”. Mesmo Amanda sendo uma artista que já ficou nua em lugares como shows, passando por vídeo clipes e até no tapete vermelho.
Poderíamos expandir essa discussão que, parte do moralismo da mídia de massa, é um resultado de alguns discursos feitos pelas feministas puritanas norte americanas, e mostrado por Lipovetsky. A lógica da valorização do corpo feminino ao mantê-lo longe dos olhos públicos, que era um discurso das feministas anti pornografia, por exemplo, ainda é uma das falas reproduzidas, através de atos que poderiam ser chamados carinhosamente de “slut shaming”, por muitos meios de comunicação atuais, incluindo o Daily Mail ( essa revista “fascistinha”, como disse uma vez um amigo meu).
A resposta performativa de Amanda Palmer — incluindo a completa nudez ao final — é um bom “tapa na cara” pra muitos dos meios que consumimos e que controlam o corpo feminino visando a “moral dos bons costumes sociais”, mesmo que, como fala Paula Sibilia, esses mesmos meios idolatrem signos descendentes da pornografia. Um exemplo são as propagandas de lingerie, cerveja e carro, onde a mulher é tida extremamente sexualizada, quando não semi nua, mas ainda assim bem vista pela massa — afinal, ela está ali fazendo o seu papel de se mostrar para o masculino. Realmente é um convite a nudez, desde que seja mediada.