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Karim, melodramático

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Ciclo de estudos: O deboche como arma queer

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O que podem os gêneros narrativos no cinema e audiovisual?

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Ciclo de estudos: Ainda Melodrama

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Ciclo de estudos: Tudo sobre o Amor

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Tudo Sobre o Amor: Novas Perspectivas, livro de bell hooks é a leitura proposta por Breno Henrique para uma breve retomada dos ciclos de estudos do NEX.Dias 29 de junho e 13 de julho, vamos conversar sobre a obra e as relações possíveis o campo do cinema e...

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Ciclo de estudos: Tateando Afetos no Cinema Contemporâneo

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O NEX convida pessoas interessadas em se juntar para estudar o tema do afeto como categoria de análise para o cinema e audiovisual contemporâneo. O ciclo de estudos vai acontecer nas terças de junho de 2022, das 14h30 às 16h30. Os encontros serão presenciais, mas a...

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Excesso e Estudos de Roteiro

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Retomando as discussões sobre o conceito de excesso, no próximo encontro a intenção é aproximar excesso dos Estudos de roteiro e escrita. O grupo se reunirá na quarta, 9 de dezembro, às 14h30. Leremos dois texto: "O prazer do Texto" de Roland Barthes e "Writing...

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“Am I alive or am I dead?”: A volta da L7 e a importância de bandas de rock femininas/feministas

“Am I alive or am I dead?”: A volta da L7 e a importância de bandas de rock femininas/feministas

A semana passada — sendo mais específica, o dia 10 desse mês — trouxe uma ótima novidade para todos aqueles que são fãs irrecuperáveis da banda de punk rock feminista L7. Uma notícia no site oficial e na fanpage da banda, levava a esperança de que uma possível reunião poderia acontecer, após o repentino fim no ano de 2000. Apenas um pedido foi feito a gama de fãs da cena online da banda: “Nós precisamos do seu entusiasmo contínuo, que vocês espalhem a palavra ao compartilhar nossos posts, e fazendo com que seus amigos e inimigos curtam nossa página no Facebook.”

As cartas foram distribuídas e os dados foram rodados. A L7 colocou sua possível reunião na capacidade com que seus fãs terão de colocá-las em evidência, como nos anos 90, agora com  a internet como uma ferramenta de interlocução entre todos os meios recorrentes.

No entanto porque para essa coluna é tão interessante que essa ação esteja acontecendo?

Bom, primeiramente, a L7 é uma banda de punk rock feminista (a autora não se responsabiliza pelo gosto musical dela poder ter algum tipo de influência sobre vocês), envolvida em causas em prol da mulheres — o Rock for Choice é uma fundação criada pela banda que visa lutar pelos direitos básicos da mulher, como, por exemplo, a legalização do aborto — e elas são boas demais, ganharam um espaço dentro da cena punk que foi constituída como uma cena majoritariamente masculina e — por consequência — machista. Elas são respeitadas por mulheres, homens e fizeram isso lutando pelo gênero feminino!

Kristen Schilt, pesquisadora da Universidade de Chicago, apresenta em seu texto “‘Riot Grrrl Is…’: The Contestation over Meaning in a Music Scene” um motivo para a cena de punk rock feminino estar tão ligada, por parte das integrantes, ao movimento feminista. A necessidade e a vontade de afrontar as regras do patriarcado fizeram com que feministas se voltassem para o movimento punk que, é por si só — como aponta David James em “Poesia/Punk/Produções: Alguns textos recentes em Los Angeles” — um movimento de rebelião contra os padrões sociais impostos, ironizando-os e os negando. Essa característica, de questionamento e não aceitação da naturalização, atraíram as militantes feministas como mariposas são atraídas para a luzes brancas, isso fez com que, entre as décadas de 80/90 surgissem cada vez mais bandas como Pussy Riot, Bikini Kill, The Distillers e L7. Com suas formações tendo uma maioria de mulheres, onde a questão central era a liberdade de expressão, sexual e de existir sendo mulher.

Segundo a professora e especialista em feminismo e estudos de gênero Gayle Wald, foi justamente nos anos 90 em que as artistas femininas se aventuraram no rock e em suas subculturas, sem serem membros apagados e sem evidência, mas como líderes com vozes que eram escutadas. Elas celebram a feminilidade e combatem através de suas composições e performances, os discursos machistas que se inserem dentro das subculturas musicais onde o comum era o domínio do masculino. É dentro desse contexto que a L7 ganhou evidência. Questionadoras, punk rockers e feministas, as 4 integrantes não aceitavam ficar nos bastidores, já estavam inseridas no nicho do punk rock desde o início dos anos 80 e chamaram muita atenção de muita gente.

Um exemplo de como elas valorizam a questão das lutas feministas era a preferência que elas davam para covers de bandas femininas. Inclusive, em 91, a banda organizou um álbum intitulado Spirit of’73: Rock for Choice com o objetivo de ajudar a sua organização — Rock for Choice — de apoio e luta em prol dos direitos das mulheres. O disco reunia bandas femininas dos anos 90, tocando covers de bandas femininas dos anos 70.

Outro exemplo, é a discussão da liberdade sexual, do “faço do meu corpo o que quero”. Em 2000 — o ano em que se deu o fim da banda — Dee Plakas, a baterista do L7, decidiu rifar uma noite de sexo na Inglaterra. A banda afirmou que se tratava de uma retribuição a tudo que os fãs ingleses e a Inglaterra havia as oferecido, desde uma ótima turnê, até material para masturbação desde que eram crianças. Kristen Schilt mostra que comportamentos agressivos e chocantes são comuns entre mulheres punk, já que elas estão inseridas numa cena hardcore, onde a evidência é o masculino e a masculinidade. O caminho encontrado para as mulheres saírem do backstage não poderia ser outro além da violência — não necessariamente física — para se equiparar ao homem punk.

A importância de bandas de rock de mulheres é inegável. É preciso ter a compreensão de que, dentro do rock e de seus subgêneros, não existe somente o homem, mesmo que ele seja deveras mais valorizado. As mulheres que pretendem e querem se inserir nesse meio precisam conhecer seu próprio empoderamento e espaço, para isso, bandas como a L7 são fundamentais. Por isso é muito importante que entendamos o peso que é uma possível reunião desse marco que contribuiu para a entrada de muitas meninas da cena punk, agora vamos observar a forma interessante que elas decidiram por incentivar os fãs a participarem dessa volta.

A nova mídia se mostra, como diz David E. James em “Poesia/Punk/Produção: Alguns textos recentes em Los Angeles”, com uma “postura clássica, mais fria e muito mais consciente de si”. Como resposta a esse posicionamento “estúpido”, a cena punk ainda existente ignora meios de massa como a televisão, e se utilizam da melhor forma possível da internet, ferramenta muito mais passível de utilização com o objetivo de passagem de informações corretas e interações. Como se fosse uma ampliação das antigas fanzines, a internet com seus web sites, redes sociais, fóruns e comunidades, funciona como uma forma de comunicação, criando, assim, uma fortíssima cena punk rock online.

Os pesquisadores Marildo Nercolini e Lucas Waltenberg falam um pouco sobre essa não tão nova forma de interação no online no artigo “Novos mediadores na crítica musical”. Entende-se que com a chamada Web 2.0 (termo de Tim O’Reilly) existe uma facilitação entre a comunicação artista/consumidor. O leitor de uma crítica ou a pessoa que escuta uma música se tornam com uma facilidade muito maior criaturas ativas ao “publicar, compartilhar, comentar e participar”, em relação ao seu objeto de afeição. A cena punk sempre teve um “quê” de comunitário, portanto é mais do que lógico que ela se encaixe muito bem com a ideia de proximidade disseminada pela Web 2.0. É por isso que faz muito sentido que a L7 convide para que seus fãs; que fazem parte da comunidade online, participando de sua fanpage, olhando o site da banda e ficando atento as informações, as ajudem a se reencontrarem. A banda possui um histórico de interação muito interessante com a plateia e é claro que uma ação desse nível não ficará fora da atenção daqueles que a cultuam.

120222-L7

Portanto, é importante que saibamos qual o devido valor de uma ação como esta. Uma banda de punk rock feminina, que influenciou — e influencia até hoje — milhares de meninas a não desistirem de tocar suas guitarras, baterias, baixos ou qualquer instrumento antes dominado por uma maioria masculina, está prestes a voltar a fazer seus gigs alucinantes e polêmicos e convida que todos os fãs “espalhem a palavra”, para que cada vez mais pessoas possam conhecer a música feita por ela. Se este ato der bons resultados, será uma lição ótima para aqueles que são céticos quanto a importância da cena online. Mesmo que a movimentação seja pequena, isso já é de extrema importância para o feminismo, pois são mulheres empoderadas e mostrando isso, para que o mundo possa ver e aplaudir.

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Making a shame of itself! Daily Mail e a demonização do seio feminino.

Making a shame of itself! Daily Mail e a demonização do seio feminino.

No dia 29 de Junho de 2013, a revista eletrônica famosa por seus “scoops” sensacionalistas Daily Mail, lançou um artigo sobre a apresentação de uma cantora com o título de: “Making a boob of herself! Amanda Palmer’s breast escapes her bra as she performs on stage at Glastonbury”, seguido por uma foto do peito “escapulido” no meio da performance.

Apenas para começar a discussão, podemos dizer que o Daily Mail cometeu dois equívocos básicos: o primeiro, falar de Amanda Palmer, artista que preza sua performance mais do que como ela, efetivamente, dá as caras em jornais e revistas. O segundo, falar do seio de Amanda Palmer, que resolveu aparecer, como sempre o faz — deixando, assim, qualquer novidade nessa informação como sendo apenas mais uma rotina dos shows de Palmer.

No entanto, a atitude sensacionalista da revista eletrônica não passou batida e, em minha opinião, esse foi terceiro erro do Daily Mail. Amanda está acostumada a comprar briga com gravadoras, veículos de mídia de massa e, até mesmo, com sua comunidade de fãs hipercríticos dentro da internet. Podemos dizer que nada disso, nem a mostra do seio, nem a briga por implicância, é uma novidade para o universo Amanda Palmer. Ela, prontamente, escreveu uma carta aberta em resposta — sendo tudo, menos afável — e a musicou, fazendo o que ela sabe fazer melhor: performando de forma chocante para olhos mais conservadores.

https://www.youtube.com/watch?v=RRWp4B0qsW8

Vamos a carta:

dear daily mail,
it has come to my recent attention
that me recent appearance at glastonbury festivals kindly received a mention
i was doing a number of things on that stage up to and including singing songs (like you do…)
but you chose to ignore that and instead you published a feature review of my boob

dear daily mail,
there’s a thing called a search engine: use it!
if you’d googled my tits in advance you’d have found that your photos are hardly exclusive
in addition you state that my breast had escaped from my bra like a thief on the run
you do you know that it wasn’t attempting to just take in the RARE british sun?

dear daily mail,
it’s so sad what you tabloids are doing
your focus on debasing women’s appearances ruins our species of humans
but a rag is a rag and far be it from me to go censoring anyone OH NO
it appears that my entire body is currently trying to escape this kimono….

dear daily mail,
you misogynist pile of twats
i’m tired of these baby bumps, vadge flashes, muffintops
where are the newsworthy COCKS?
if iggy or jagger or bowie go topless the news barely causes a ripple
blah blah blah feminist blah blah blah gender shit blah blah blah
OH MY GOD NIPPLE

dear daily mail,
you will never write about this night
i know that because i’ve addressed you directly i’ve made myself no fun to fight
but thanks to the internet people all over the world can enjoy this discourse
and commune with a roomful of people in london who aren’t drinking kool-aid like yours

and though there be millions of people who’ll accept the cultural bar where you have it at
there are plenty of others who’re perfectly willing to see breasts in their natural habitat

i keenly anticipate your highly literate coverage of upcoming tours

dear daily mail,
UP YOURS.

AFP

Poderíamos analisar trecho por trecho da música, mas vamos ao que mais interessa nessa coluna, a questão da disputa sobre o corpo. Judith Butler, em seu texto “Performative Acts and Gender Constitution: An Essay in Phenomenology” lembra-nos que o corpo é algo sexual e profere suas próprias experiências e significados. Ele é e representa tudo aquilo pelo que passou. Michel Foucault mostra no icônico “A Microfísica do Poder” que os corpos estão em disputa constante pelo poder de apenas ser, existir e sentir como bem entender. Tendo isso em mente, que o corpo é algo histórico e que está em uma constante batalha pela libertação, se lermos o texto da pesquisadora Paula Sibilia, “O Corpo Reinventado pela Imagem”, podemos entender um pouco porque o sensacionalismo no Daily Mail acontece ao entorno do seio de Amanda Palmer e porque a resposta da cantora é tão coerente.

Sibilia ressalva que o problema não é a nudez em si, mas quem “pode” ficar sem roupas. Usando uma icônica frase de Foucault, “Fique nu, mas seja magro, bonito, bronzeado”. A “nudez involuntária”; ou o flagra da calcinha, o flagra da sem calcinha, ou — nesse caso — o peito que escapole da roupa, são coisas não desejadas pela mídia sensacionalista. Aliás são até mesmo ridicularizadas pela mídia, como foi o teor da “reportagem” do Daily Mail. Ou seja, Palmer estaria de alguma forma provocando e incentivando uma forma de exposição que incomodou, por algum motivo, a revista eletrônica — sendo ela uma mídia com valores “tradicionais”. Mesmo Amanda sendo uma artista que já ficou nua em lugares como shows, passando por vídeo clipes e até no tapete vermelho.

Poderíamos expandir essa discussão que, parte do moralismo da mídia de massa, é um resultado de alguns discursos feitos pelas feministas puritanas norte americanas, e mostrado por Lipovetsky. A lógica da valorização do corpo feminino ao mantê-lo longe dos olhos públicos, que era um discurso das feministas anti pornografia, por exemplo, ainda é uma das falas reproduzidas, através de atos que poderiam ser chamados carinhosamente de “slut shaming”, por muitos meios de comunicação atuais, incluindo o Daily Mail ( essa revista “fascistinha”, como disse uma vez um amigo meu).

A resposta performativa de Amanda Palmer — incluindo a completa nudez ao final — é um bom “tapa na cara” pra muitos dos meios que consumimos e que controlam o corpo feminino visando a “moral dos bons costumes sociais”, mesmo que, como fala Paula Sibilia, esses mesmos meios idolatrem signos descendentes da pornografia. Um exemplo são as propagandas de lingerie, cerveja e carro, onde a mulher é tida extremamente sexualizada, quando não semi nua, mas ainda assim bem vista pela massa — afinal, ela está ali fazendo o seu papel de se mostrar para o masculino. Realmente é um convite a nudez, desde que seja mediada.

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Catarina, feminismo e a guerra dos sexos: parte 2

Catarina, feminismo e a guerra dos sexos: parte 2

“Eita raça desunida

Feminismo não existe

Quando rola é uma pica”

O trecho acima é da última faixa do álbum Mulher Cromaqui, “Raça Desunida”, de Catarina. Uma coisa interessante de ser observada é que essa faixa foi vista por alguns jornalistas e blogueiros que a interpretaram como uma sátira as “então ditas feministas”. Um equívoco. Catarina rebateu a algumas críticas em seu próprio Facebook e em entrevistas que podem ser vistas online, mas vamos a análise da música em si.

Lipovetsky fala em um texto no seu livro “A terceira mulher: permanência e revolução do feminino”, sobre as diferenças que passam a surgir no “neofeminismo” por conta do “individualismo processualista”. Ou seja, enquanto ressalta que existe uma cultura da vitimização por parte de feministas norte americanas, que visam um maior controle público da vida privada, enchendo a sociedade de leis anti pornografia, assédio sexual, códigos comportamentais e de linguagem, também existe o feminismo europeu, mais prático e que dá a liberdade do convívio entre ambos os gêneros, sem sobreposições.

A preocupação mostrada por Lipovetsky é de que, o que ele chama de, “ultrafeminismo neoliberal” induza o fim do convívio entre gêneros ou a sua diminuição, já que ele se utiliza de meios legais para que aconteça uma repressão sexual. Leis que inicialmente, podem vir a evitar crimes repugnantes, mas que também podem inferiorizar a mulher e seus próprios desejos sexuais, já que essas “regras de bom convívio” têm raiz no puritanismo religioso. O pudor prezado pela sociedade americana, e, inevitavelmente, pelas feministas estadunidenses, é o mesmo pudor protestante que usa o sexo como ferramenta de poder, para oprimir o ser feminino. É contra isso que as ultrafeministas lutam, usando os meios legais, mas que acabam por ressaltar o discurso de opressão ao corpo feminino – quando lutam em favor de leis contra a pornografia, por exemplo.

Em contra partida, Gilles Lipovetsky aponta o lado das feministas europeias – cabe lembrar que o filósofo é francês – e que não concordam com as práticas das norte americanas.  Ele afirma que tanto na França, quanto em outros países europeus a categorização do ser masculino como um inimigo nato e um agressor natural não é levado a sério. O que ocorre na Europa é uma busca da igualdade entre gêneros, mas sem a exclusão total dos “jogos de sedução”. A busca é do respeito pelo respeito democrático, e não pelo medo judicial. De fato, Lipovestsky faz a seguinte colocação: “O modelo europeu nada tem de saudosista, antes encarna a maneira pós-moderna de modificar as relações entre sexos sem fazer tábua rasa do passado.”

Essas duas formas de pensar são muito diferentes, quase opostas. Então, cabe fazer a pergunta, como serão as formas de feminismo nos países fora do eixo Estado Unidos – Europa? Como será o feminismo no Brasil? No meu olhar, Catarina mostra como essa questão é complexa e ambígua dentro do solo verde e amarelo. Com a música “Raça Desunida” ela mostra não somente como a mulher é retratada na sociedade e na mídia (“Mulher já nasce assim”), mas também mostra, no refrão, a desunião das mulheres, isso incluindo as feministas, quando o assunto vem a ser os seres do sexo masculino (“Quero o seu macho/ Quero o seu irmão/ Quero o seu pai me pagando uma pensão”). Essa desunião acontece por conta da diferença de detalhes ideológicos, gerando brigas que “enfraquecem o movimento”.

Portanto, é possível dizer que dentro do país temos uma divergência de ideologias no próprio movimento feminista. É claro que muitos podem considerar a visão de Lipovetsky ultrapassada por ser tão dicotômica, ou antiga pela época em que ele escreveu. No entanto, a visão não é desatualizada se formos pensar no movimento feminista atual, mesmo dentro do solo brasileiro. De uma forma, Catarina mostra essa dicotomia, sendo ela feminista ativista, ressaltando a diferença entre pensamentos que desunem uma “raça”.

Essa desunião é, em parte, o que contribui para o imaginário machista social que dita mulheres como megeras falsas, “amigas fura olho”, de forma naturalizada, porque “mulher já nasce assim” e que ainda estimula alguns discursos impregnados de puro preconceito e subjugamento do gênero (“Saímos da cozinha/ Começou a confusão”). A questão da naturalização do “dever” feminino e os problemas ligados a ela também é constatado por Lipovetsky, que afirma que isso seria um traço da primeira mulher (a mulher mais submissa e inferiorizada), mas que é imposto socialmente à terceira mulher (a mulher mais moderna, que conhece e conquista seu espaço, mesmo com dificuldades) como forma de “naturalizar” o espaço que, para o patriarcado, deve pertencer a ela.

“Raça Desunida” se faz como uma crítica a essa visão que a sociedade e a mídia veiculam da mulher, mas também a ideia que sustenta esse tipo de pensamento. As próprias mulheres, com suas pequenas divergências quanto a posição em que deveria ser colocado o portador do falo, entram em desentendimentos contornáveis, mas que se mostram impossíveis de resolver por limitações ideológicas e sociais. Lipovetsky e Catarina concordam nesse sentido. A igualdade ou a justiça deveriam ser procuradas antes do movimento se desintegrar.

“Ninguém nunca ganhará a Guerra dos Sexos porque existe muita confraternização com o inimigo.” (Henry Kissinger)

“Não é preciso ser anti-homem para ser pró-mulher.” (Jane Galvin Lewis)

“Existem poucos trabalhos que exigem possuir um pênis ou uma vagina. Todos os outros deveriam ser acessíveis a todos.” (Florynce Kennedy)

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A mulher irônica: a forma Palmer de criticar

A mulher irônica: a forma Palmer de criticar

Amanda Palmer, cantora e artista estadounidense, não parece se encaixar na lógica de feminista vitimizada citada por Gilles Lipovetsky – nem mesmo é conivente com essa ideia. Conhecida por suas letras diretas e ácidas, desde o início de sua carreira como musicista, Palmer se coloca crítica perante o estupro ou assédio sexual, mas de uma maneira descontraída e sem, em nenhum momento, colocar a vítima como um ser digno de pena. A música “Oasis” é um bom exemplo. Composta por Amanda com o objetivo do cômico, a música conta a história de uma menina que é estuprada e realiza um aborto. Colocada de forma simplista, pode parecer chocante que essa música tenha um tom de comédia, no entanto a história vai além da ação de violência para com a vítima.

Uma das preocupações apresentadas por Lipovestky no seu livro “A terceira mulher: permanência e revolução do feminino” é a ‘demonização’ do homem perante a mulher, seguindo a lógica discurso feminista que coloca “tudo” como política. O autor apresenta argumentos expondo certa ‘vitimização’ do sexo feminino, resultado do que ele vem a chamar de “hiperfeminismo”. Isto é, a mulher é imposta como sexo mais frágil e por isso necessita de diversas intervenções judiciais e políticas para protegê-las dos homens, chegando, até mesmo, a limitar o convívio entre gêneros.

Gilles Lipovestky jamais nega o fato que muitas mulheres, sim, sofrem nas entranhas de uma sociedade patriarcal que as subjugam e inferiorizam. No entanto, ele afirma que pode existir um exagero  quanto a lógica de “assédio sexual” de homens contra mulheres. Ele afirma que existe uma estigmatização da “mulher pudica e frágil(…)a imagem na mulher vítima natural do homem, que recriam o formalismo nas relações dos professores com as suas alunas. que esterilizam o ambiente intersexual”. Cabe a nós questionar se todas as formas de discurso feminista caminham pela estrada da vitimização do gênero.

Como é possível de se ouvir, a história é sim sobre uma menina estuprada em uma festa (o chamado “date-rape”), no entanto ela a todo momento expressa o entusiasmo em receber uma foto autografada da banda Oasis, provavelmente seu grupo musical favorito. Amanda Palmer foi duramente criticada da Grã Bretanha pela música e vídeo clipe. Foi acusada de diminuir os problemas ligados ao  estupro e ao aborto, ela respondeu a essas críticas dizendo que estaria apenas utilizando o humor irônico para apontar um problema que acontece com muitas jovens. Não estava fechando os olhos para um caso, mas também mostrava que uma vítima de estupro não merece a pena de ninguém.

A música apresenta uma situação vivida por jovens mulheres e critica claramente as atitudes e pensamentos em resposta à vitima da violência. A atitude dos “cristãos fundamentalistas” ou da melhor amiga Melissa Mahoney que espalhou um boato maldoso são atitudes de muitas das pessoas que tem conhecimento de uma garota que sofreu um estupro e/ou que realizou um aborto. Principalmente na faixa e idade de 15 anos, que era mais ou menos a faixa pensada por Palmer para a garota nessa música.

O último detalhe importante da música – mais claro no clipe – são os homens citados. O estuprador e o namorado da jovem.

O estuprador é extremamente caricato como um típico jovem egocêntrico, pelo boné que usa, pode até se dizer que ele é um esportista (o que dá um status de popularidade para o homem em vários círculos jovens norte americanos), branco e que se diverte enquanto toda a ação acontece. Um homem que se beneficia em cima de garotas bêbadas, com características físicas similares aos estupradores descritos nas famosas date-rapes. 

Reparem nas fotos da parede, mas principalmente na foto do estuprador. No melhor estilo "school sexy symbol"

Reparem nas fotos da parede, mas principalmente na foto do estuprador. No melhor estilo “school sexy symbol”.

O segundo rapaz, aparece como uma pessoa meio boba, que treme o tempo inteiro. Por causa do tremelique, das roupas de “vovô” e da postura corporal, o namorado parece ser propositalmente idiotizado, um ser fraco. Diferente da jovem que parece ter toda a situação sobre controle.

Lipovetsky escreve:

“Rir do masculino e saber manter os homens à distância pela improvisação, não consiste em reabilitar as respostas individuais aos problemas da condição feminina, mas antes apelar a uma reorientação da cultura feminista para uma maior apropriação do poder irônico.”

A representação dos dois seres masculinos presentes na letra da música como sendo duas criaturas cartunescas que beiram a definição de patetas seria a representação da resposta e uma tomada de poder da ironia.

Uma outra composição que merece atenção pela ousadia e sarcasmo ácido é “Lonesome Organist Rapes Page Turner”. Composta por Amanda Palmer na época em que cursava a universidade, a ideia da música veio em um tom de piada, inspirada na sua própria adolescência – em como ela e alguns dos seus professores de piano flertavam entre si – e em um tocador de órgão que ela conheceu na faculdade.

Em entrevista, Palmer afirmou que imaginou toda a situação. Como seria engraçado uma chamada de jornal sendo “Lonesome Organist Rapes Page Turner”. No entanto, ela diz que, não é porque o estupro tem um tom cômico que é um assunto simples de lidar. Esta música além de criticar o estuprador, também mexe com a instituição religiosa (como muitos devem saber, o órgão é um instrumento comum em igrejas cristãs). O homem, novamente é colocado de forma caricata, mas dessa vez através da voz de Palmer, e não na letra exatamente. Na verdade, apenas ler a música passa a impressão de que ele é muito assustador. Amanda Palmer vocaliza toda a diminuição ao sexo feminino e o próprio desespero, no entanto de uma forma completamente hilária.

A ironia ácida usada por Palmer pode ser extremamente perigosa, andar no limiar, numa fina corda bamba. Talvez por isso ela seja tão criticada. Mas não seria essa a “mulher irônica” a qual Lipovetsky diz que existe após a mulher que sofre a violência? Vejo, portanto, Amanda como a mulher irônica, que se coloca com liberdade se impondo através da ironia hilária e ácida contra práticas machistas. Ela utiliza o que Gilles Lipovetsky chama de “feminismo adulto”, o riso como arma contra aquelas que oprimem.

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A mulher irônica: a forma Palmer de criticar

Catarina, feminismo e a guerra dos sexos: parte I

Pretendo correlacionar, nesse artigo, a artista Cataria, pernambucana, ativista e reprodutora do punk brega com textos do livro de Gilles Lipovetsky, “A Terceira Mulher: permanência e revolução do feminino”. O objetivo é entender como o feminismo e o discurso ativista podem e estão inclusos dentro de produções musicais e, também, apresentar um pouco dessa artista incrível que é Catarina. Para isso, irei dividir os posts com essa relação em partes, todos serão pedaços de um mesmo bloco de pensamento.

“É… Não é mole não… Tanto rapaz por aí esbanjando saúde trocando uma noite de amor, por uma noite de bright, ratatá com os amigos. E a mulherada largada em segundo plano. Pense numa racinha se estranhando… Vulvas em fúria!”

É possível enxergar esse discurso como um discurso irônico?

Catarina (former Dee Jah), feminista do século XXI, musicista e corpo altamente performático. Antes de entrar nos detalhes do ativismo político da pernambucana, é importante compreender o discurso das primeiras feministas. Afinal, são as referências mais usadas; já que a luta feminista sempre se colocou no patamar da libertação da mulher, na independência perante a uma sociedade machista e patriarcal. Lipovetsky, escreve “<<O poder está na extremidade do falo>>, dirão as feministas em Maio de 68.”. A luta das feministas nos anos 60 era relacionada a libertação feminina como ainda hoje acontece, mas para fins mais básicos (o trabalho, o voto…). Dentro dessa lógica e, da ideia de que a mulher – pelo simples fato de ser mulher -, tem um poder mais limitado que os homens, a musicista pernambucana Catarina tira das suas mangas a sua ironia ácida.

O feminismo contemporâneo se manifesta pelas vias menos prováveis e com os discursos mais diversificado que o feminismo original. O que começou com o direito ao voto, hoje se torna no direito da libertação do corpo feminino para fazer aquilo que bem entender, onde e como bem entender. A música em prol do movimento não é uma novidade, mas com certeza existem novas abordagens, bem mais ousadas e críticas. Catarina se coloca dentro dessa lógica de discurso de poder. Suas músicas – presentes do álbum Mulher Cromaqui – se dispõe de forma ácida, sarcástica e irônica quanto as situações que são impostas às mulheres, além da “domesticação” da forma que a mulher deve agir perante a sociedade opressora.

A nona faixa do álbum Mulher Cromaqui é intitulada “Mulher Tiragosto”. O título, em si, aponta a objetificação do ser feminino e representa do empoderamento dado ao dono do falo (comprovação que também aparece no trecho: “Não sei o que vão pensar se você não vier me lanchar”). A música apresenta a situação em que o ser masculino determina quando fazer o sexo e, a mulher que se pré dispôs a sair com ele rejeita essa ideia, que foi imposta de forma grosseira e sem respeito.

Para explicar melhor, usemos trechos da música. O homem tenta se aproximar da mulher com o objetivo de realizar seus próprios desejos (“Obrigado princesa, eu saí para beber/Vou ficar com a cachaça, o meu ponche é você”),mas logo em seguida é rejeitado (“Sai pra lá, encosto!/ Não quero ser sua mulher tiragosto”). Não seria, então, o discurso total da canção um antagonismo ao monólogo inicial?

Isso oferece ideia da ironia e da crítica ao homem que impõe a vontade própria à mulher. Catarina se coloca, então, como uma linha do feminismo que é citado por Lipovetsky como um feminismo que reivindica “o direito das mulheres a uma plena autonomia sexual.” A música, que depois prossegue com discursos, diria até, um pouco clichés, feitos por pessoas que concordam em discordar com práticas feministas (frases semelhantes com o seguinte trecho: “Calma, olha o estresse, gata!/Com essa latomia você não emplaca” são muito utilizadas como forma de quebra de discurso, ou de discordância – a mulher que se opõe a práticas patriarcais é estressada, louca, histérica), se coloca e  põe a própria artista dentro da lógica de embate, ela se posiciona na denuncia a “natureza patriarcal”, como diz Gilles Lipovetsky.

Talvez as perguntas que apareçam seja: seriam músicas desse teor compreendidas? Se sim, essas compreensões são necessárias? Eu respondo, obviamente são compreendidas em algum seguimento e, obviamente, são necessárias.

Assim como manifestos a favor da liberdade feminina, a música chega aos ouvidos de muitos, ela é um mediador do canal para discussões.  Cabe lembrar que é de amplo conhecimento que a violência contra mulher – todos os tipos de violência – acontece por causa de imposições diretas do patriarcado. Portanto, enquanto houverem mulheres oprimidas nos pequenos detalhes (de uma cantada na rua, ao assédio sexual), existirão músicas como “Mulher Tiragosto” e artistas como Catarina que cantam manifestos diretos, críticos, realistas e extremamente irônicos.

Escutem “Mulher Tiragosto” do álbum Mulher Cromaqui:

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