por alepri | maio 5, 2022 | Atrações e afetos, Nex Estuda, NEX!!!
O NEX convida pessoas interessadas em se juntar para estudar o tema do afeto como categoria de análise para o cinema e audiovisual contemporâneo.
O ciclo de estudos vai acontecer nas terças de junho de 2022, das 14h30 às 16h30.
Os encontros serão presenciais, mas a depender do número de inscritos poderemos precisar fazer em modo online
Inscrições aqui
Período de inscrições: 9 a 15 de maio
O ciclo de estudos pretende explorar e discutir os estudos acerca da dimensão sensorial e afetiva do cinema contemporâneo. Em cada encontro iremos nos aprofundar em um autor, seus conceitos e implicações que dizem respeito à ressonância afetiva produzida pela experiência fílmica.
TEXTOS planejados:
7 junho
VIEIRA JR, Erly. Breves considerações sobre a sensorialidade na experiência audiovisual: Sujeitos cinestésicos, visualidades hápticas e ressonâncias carnais. (s/d mimeo)
14 junho
Bezerra, Julio. A aurora do mundo: propostas sobre um certo cinema contemporâneo. Tese de doutorado, PPGCOM – UFF, 2013. (páginas 9 a 40)
21 junho
SOBCHACK, Vivian – Address of the eye. Princeton University Press, 1992. (Capítulo 1 “Phenomenology and the Film Experience”)
28 junho
MARKS, Laura – The Skin of Film: intercultural cinema, embodiment and the senses. Duke University Press, 2000. (capítulo 4 + Conclusão – páginas 194 a 247)
por alepri | out 12, 2015 | NEX!!!
Por: Mariana Baltar
O Festival do Rio desse ano permitiu muitos encontros interessantes. Entre eles, a sessão do primeiro longa do coletivo Surto & Deslumbramento, dirigido por André Antônio, A Seita. Uma sessão instigante que foi completada pelo excelente curta de Isaac Pipano, Imóveis (filme incrível para pensar sobre as relações de mobilidade e estagnação nas metrópoles contemporâneas)
Dentro do projeto Cine Encontro, fui convocada a falar algumas coisas sobre A Seita, mediando um debate na sessão que aconteceu no Centro Cultural da Justiça, dia 10 de outubro.
Compartilho aqui algumas notas do que o filme me disse:
São várias as chaves de leitura de um longa como A Seita – pela sua proposta alegórica, pelas escolhas de sua mise-en-scène, pelos diálogos críticos com uma tradição do modo de excesso, pela proposta geral das obras do “deslumbramento” (ver www.deslumbramento.com) que apostam no deboche como forma de dar a ver e sentir os poderes de uma vida queer, viada e de “fabulosidades”.
Com isso em mente, levantei três pontos que a partir do filme falaram mais comigo:
1. Elogio ao Excesso
A Seita não tem medo de assumir o modo de excesso – sobretudo como elemento estético presente na visualidade do filme. Fica visível a partir do diálogo camp na ótima direção de arte e figurino – que remete a um conjunto de referências de um cinema do glamour do clássico-narrativo. Penso claro na visualidade do melodrama clássico, na forma como na Seita o personagem se harmoniza com o cenário quando está na segurança de seu ambiente privado/doméstico – lembro das cenas repetidas vezes (a repetição em si um dos elementos do modo de excesso) em que ele coloca flores ao pé do quadro, toma chá em lindo roupão azul na sala azul. ou a cama em seu quarto emoldurado pelo drapeado da cortina vermelha com filetes de doutorado. O uso excessivo ao longo do filme de uma paleta vermelha e azul (passando por todos os roxos e púrpuras) vai falar dos prazeres dessa cinema de sentimentos exacerbados da vida doméstica, privada e elogiosa do indivíduo.
O próprio diálogo com os gêneros narrativos mais clássicos (reino do excesso narrativo), na Seita será presentificado pela ficção científica como mote alegórico do decadentismo de um mundo que precisa reencontrar sua faculdade de sonhar (e esse mote da ficção aparece no enredo simples da Recife de 2040 onde seus habitantes, ao contrário dos moradores das colônias espaciais, ainda mantém o “fofo” hábito de dormir e, com isso, conseguem sonhar.
A Recife futurista da Seita são as paisagens da ruína urbana da Recife contemporânea, vistas em planos imóveis dos prédios abandonados, destruídos pelo descaso, desuso e pela ação política do tempo (aliás aqui, estranhamente A Seita se encontra com o curta de Pipano, Imóveis, que completou a sessão do Festival do Rio)
Todo esse elogio ao excesso não é total adesão a ele como forma narrativa e de encenação, pois no filme essas referências coexistem com uma lentidão densa, com silêncios, com diversos momentos em que a câmera pouco se importa com o desenvolvimento dramático do enredo e os personagens são meros corpos-motes para vestir com certo ar de tédio desdramatizado até as referências aos Dândis e bichas que habitaram nosso imaginário da modernidade.
A Seita coloca em cena paradoxos em termos de projetos de cinema mas também na sua alegoria e por isso que ele nos convida a pensar a partir da figura do Dândi, pois tal figura é a encarnação da força paradoxal das crises. E esse é meu segundo ponto de observação.
2. O imaginário do Dândi como chave de entendimento do que alegoricamente está colocado no filme
O Dândi futurista de A Seita é a encarnação de como Charles Baudelaire vai descrever e pensar sobre essa figura da modernidade ocidental. Em O Pintor da vida moderna, textos escritos por Baudelaire para o periódico Le Figaro ao longo de 1863, o autor francês dá as pistas para o papel do Dândi.
O livro aliás que aparece no filme (numa sequência nos primeiros de minutos mais ou menos, onde a câmera, com seu movimento pendular de olhar errático que foge do centro dramático da cena (o diálogo entre o protagonista e um de seus amantes) faz questão de enquadrá-lo em primeiro plano por duas vezes.
Nestes textos, Baudelaire nos diz de uma figura fundada na modernidade e que representa em seu corpo (gestos e vestes) a ambivalência do desejo moderno de ser ao mesmo tempo produtivo, racional, industrial e belo, feliz, livre, indolente. O sujeito moderno parece “ter que ser” muita coisa ao mesmo tempo e por isso, diante destas pressões paradoxais intensas, o Dândi assume a frivolidade e o tédio como respostas a tais pressões.
Assim, seguindo a pista de Baudelaire, diria que o corpo e a atitude Dândi são um retrato de uma das formas de lidar com uma época marcada pelo tempo industrial, o concreto cinza, a velocidade do trabalho, as deformações das austeridades no/do corpo acrescidas ao desejo de sonhar, de ser individual, de ser criativo, de ser feliz.
No início do texto, Baudelaire cita o dizer de Stendhal de que “o belo não é senão a promessa da felicidade” e o Dândi parece afirmar, através do anacronismo démodé de suas vestimentas e gestos, a utopia dessa felicidade do belo.
Mas o Dândi é em si uma figura ambivalente, ele encarna os paradoxos dos tempos de incertezas e crise, da própria modernidade. O Dândi futurista de A Seita é alegoria camp do contemporâneo onde as incertezas e paradoxos da crise estão atravessados por um jogo de referências alusivas que mistura massivo e erudito, que mistura projetos de cinema moderno e pós-dramático com os excessos visuais.
Do moderno e pós-dramático temos: um comportamento da câmera que ignora o centro da ação com um olhar quase autônomo, uso dos silêncios, opção menos narrativa na composição da cena, da montagem e dos diálogos, encenação nada naturalista e explicitamente artificial dos atores…
Do diálogo com o modo de excesso temos: imagens símbolos, as repetições de gestos, cenas, paletas de cores, visualidades camp, o próprio diálogo no enredo com os gêneros cinematográficos mais massivos – aqui no caso a ficção científica – a trilha sonora monumental das cenas de abertura do filme (em franco contraste com a própria imagem imóvel dos prédios em ruínas)…
3. Pelos poderes do deboche e das misturas
O Dândi em si é uma figura que se presta ao excesso a despeito de sua atitude entediada.
“Que o leitor não se escandalize com essa gravidade do frívolo, que se lembre de que há uma grandeza em todas as loucuras, uma força em todos os excessos” (Charles Baudelaire In. O Pintor da vida moderna, 1863, página 871)
e pensar a partir do Dândi nos faz recolocar o A Seita no contexto das produções de Surto e Deslumbramento pois a ambivalência frente ao elogio ao excesso é fundamental para pensar o projeto estético do coletivo de Recife sobretudo no uso do deboche como armas de uma política de gêneros em defesa de uma “sensibilidade viada”.
Os outros filmes do coletivo – penso por exemplo em Metrópolis (Sócrates Alexandre, 2013) ou Como era gostoso o meu cafuçu (Rodrigo Almeida, 2015) – trazem as marcas desse deboche que é em si a força política dos poderes do excesso: na mistura entre massivo e erudito, na recusa ao bom-mocismo, aos padrões estéticos, e com isso um elogio, também debochado, à “fabulosidade”.
O projeto que atravessa os filmes do Surto & Deslumbramento tem o poder de expor modos de vidas e sensibilidades queer através dessa mistura debochada. A mistura aqui é de projetos fílmicos e sensibilidades que traduzem mais que gostos, modos possíveis de sentir o mundo. A “mistura” que atravessa os filmes se apresenta nas referências por exemplo a um tipo de filme vinculado às vanguardas dos anos 1960 e 1970 – penso mais obviamente a Andy Warhol – alinhavadas lado a lado ao claro gosto camp pelo cinema clássico, pelo artifício, pela música brega pano de chão, pelo massivo.