Pedagogia das sensações

Por Mariana Baltar

A noção de pedagogia das sensações procura dar conta das implicações (politico-culturais e narrativas) de discursos que parecem compartilhar entre si estratégias comuns vinculadas ao modo de excesso. Essa matriz comum garante uma relação com o público pautada no pathos e em uma lógica de engajamento sensório-sentimental.
O pressuposto (e proposta para reflexão) é que essa lógica sensório e sentimental é igualmente fundante do projeto de modernidade, o que resulta no impulso pedagogizante do sensacional, presentificado a partir do fio condutor do excesso (são narrativas, portanto, que tem traços em comum, a despeito das diferenças internas).
O excesso aparece como estratégia temática e estética no diálogo com o público, atuando através de uma lógica pautada no pathos. Mas ele é também elemento importante na esfera de “pedagogização” de uma lógica sensacional e sentimental que se expressa ao lidar, via formatos narrativos associados ao gosto popular (retomando aqui a matriz popular do excesso, conforme teoriza Jesús Martin-Barbero), com tensões e anseios da modernidade. De um lado, “ensinando/cristalizando” sobre a experiência da modernidade a partir de um sensacional, mobilizando o universo dos estímulos (na linha do que trabalha o Ben Singer, por exemplo, a partir do Simmel) e, de outro, “domesticando” o lugar do sensacional na modernidade (e ai, claro, bastante coerente com o tão apontado projeto moralizador dos “gêneros do corpo”).
No mergulho analítico e conceitual, partimos, a princípio, dos gêneros (entendendo este não como um conjunto de códigos estanques e imutáveis, mas seguindo a pista mais ampla de uma abordagem que Rick Altman nomeia como sintática/semântica/pragmática) definidos por Linda Williams como “gêneros do corpo” (a saber, o melodrama, a pornografia e o horror), mas reconhecemos que eles não estão sozinhos (poderiamos incluir o musical e certo tipo de comédia, por exemplo). Também entendemos que é preciso, para além do mergulho no universo genérico, cercar o conceito do excesso como elemento estilistico (tecido na narrativa) bem como matriz cultural.
O excesso é um conceito complexo e o NEX!!! – Nucleo de Estudos do Excesso nas Narrativas Audiovisuais tem se debatido sobre isso. Como matriz cultural, tem nos ajudado os trabalhos do Jesus Martin-Barbero, do Bakhtin e do Peter Burke (todos pelas leituras das estratégias e matrizes de uma cultura popular). Mas o nó aparece ao precisar o excesso como elemento estético (se me permite o uso do termo). Por enquanto, estamos apostando na leitura do excesso como uma “aglutinação” do espetáculo e do êxtase, onde, grosso modo:
* o primeiro coagula o universo moralizante da narrativa stricto senso (contruindo vetores de identificação, incorporando um impulso do realismo sem ser realista – para poder justamente sustentar o efeito pedagógico moralizante do engajamento passional proposto, por exemplo, no melodrama.
* o segundo condensa o universo do êxtase, entendido como intensidade, estímulos sensoriais, pulsação, choque. Uma matriz, diga-se de passagem, igualmente importante para certa tradição da vanguarda (penso na dos anos 1920, por exemplo, ou em certos filmes do Brakhage); e daí, o que distingue o extasiastico da vanguarda (uma face do excesso, sem dúvida) do Excesso dos “gêneros do corpo” talvez seja a ausência ou submissão da face do espetáculo.
É uma aposta não totalmente pacificada, pois, ainda me incomoda nela um certo binarismo que apaga a contradição constitutiva dessas narrativas do excesso. E acho que devemos é abraçar a ambivalência. Mas sigo com aposta, vejamos no que dá.
Lembro ainda que a ideia de uma pedagogia das sensações nasceu, ainda na época da minha tese, a partir dos diálogos com a Prof. Ana Lúcia Enne, que na época, junto com a Prof. Marialva Barbosa, trabalhava o universo do sensacionalismo (pensando este como inserido no fluxo do sensacional, ou seja, vinculado à matriz cultural popular).

Kitsch, camp e o excesso

Por Bruno Roger

No nosso último encontro, discutimos os conceitos de Kitsch e Camp a luz de Umberto Eco e Susan Sontag. Alguns apontamentos nos trouxeram mais próximos a compreensão do universo das narrativas de excesso.

Primeiramente, discutimos a importância do capital cultural do sujeito como pré-requisito para a fruição de produtos culturais instituídos como de mau gosto. O exagero dos mesmos é a grande força promotora do consumo por uma classe “esclarecida”, que se envolve com outro olhar a esses produtos.

Em relação a diferença entre o Kitsch e o Camp, pode-se dizer que o primeiro está mais próximo a uma celebração passional. No qual, uma lógica de espetáculo se dá devido à relevância do valor e do conteúdo dessas manifestações. Já o Camp, molda-se por sensibilizar através de uma representação por meio do artifício. A estética, no Camp, é o alvo mais importante da fruição e o Kitsch subordina uma interpretação do observador.

O feio, consequentemente, é apenas um uso estético numa época que os referentes se perderam. E o excesso, em sua dimensão estética do artifício, da teatralidade e da aparência desenvolve-se no exagero.

O excesso é de todos!

Por Bruno Roger

O cinema clássico narrativo, estruturalmente, utiliza uma força unificadora em sua narrativa. A realidade é apresentada por uma montagem clássica, continuidade entre os eventos e o sistema de causa e consequência. Contudo, outra lógica também está presente na modernidade – a fora do padrão, que provoca estranhamento e não se encaixa num modelo de contenção. Essa é a lógica do excesso.
Será que esses dois posicionamentos distintos dialogam entre si? Ou melhor, nenhum desses esquemas narrativos caminham separados? No NEX pensamos que não, eles não caminham separados e que sim, eles dialogam. O que seria do cinema hollywoodiano clássico sem a presença dos elementos do melodrama e do horror?
A confusão começa quando Kristin Thompson no texto “The concept of Cinematic Excess” aponta que o excesso se opõem radicalmente ao cinema clássico. Em sua leitura, aproxima o conceito de sentido obtuso de Barthes com o excesso. Entenda-se por sentido obtuso o que se mostra sem função na narrativa – não pertence a lógica estrutural da narrativa.
O grupo do NEX ao ler o pensamento de Kristin, um tanto quanto equivocado, entrou num conflito. Ora, sabemos que o excesso está inserido sim na estrutura narrativa. Sua função é presente e visível. Retornamos a Linda Williams que esclarece a constituição do excesso em duas vias: a do êxtase e a do espetáculo. O êxtase proporciona revelar o estilo de vida contido e promover o estranhamento que isso causa. Já o espetáculo, mais próximo de uma lógica moralizante, pode exibir em sua narrativa imagens estruturadas no aparato sensório-sentimental, assim, capaz de engajar afetivamente o espectador, em consequência, obter uma eficácia moral.
Com isso, percebemos que o excesso não está a parte dos mecanismos da indústria cultural. Ou seja, apenas em filmes não transparentes – os quais evidenciam seus dispositivos e jogam com essas possibilidades – se apropriam do excesso como diz K. Thompson. No corpo da narrativa clássica também convive o excesso. E essa narrativa torna a ação moralizante concreta e com significado.

Inicia-se o excesso

Por Mariana Baltar

Nexianos do mundo, uni-vos em torno do excesso.

Começamos a pensar mais especificamente sobre esse mundo tão certo e tão obscuro ao mesmo tempo que é o excesso (o que é e como se comporta) nas narrativas. começamos discutindo o texto da Kristin Thompson e foi incrivel, espetacular (palavras excessivas, notem! mas como diz Mario de Andrade, é preciso exclamar para deixar a vida agir, ou algo do gênero).
uma reiteração de descobertas foi a noção de que a pedagogia moralizante se dá investida no universo propriamente narrativo dos discursos. e nesse sentido, se seguirmos as formulações da Thompson (inspiradas no ensaio de Barthes O terceiro sentido, que compoe O óbvio e o obstuso), não exatamente no elemento do excesso propriamente dito, embora, para o universo moralizante dos gêneros da trilogia das sensações, o excesso seja sim, central.
precisamos refletir melhor sobre isso, claro. convoco Fernanda, Erica e Bruno para fazerem seus post relatando o encontro e o texto da Thompson.
enquanto isso, seguimos, dessa vez estudando o próprio Barthes.
e, claro, seguimos correlacionando com a questão da serialização (vejam meu comentário ao post da Érica sobre narrativas pessoais!)de que modo o excesso da trilogia das sensações é de fato uma estratégia de fidelização para programas que são, cada vez mais, flexi-narrativos e flexi-gêneros?

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