“Am I alive or am I dead?”: A volta da L7 e a importância de bandas de rock femininas/feministas

“Am I alive or am I dead?”: A volta da L7 e a importância de bandas de rock femininas/feministas

A semana passada — sendo mais específica, o dia 10 desse mês — trouxe uma ótima novidade para todos aqueles que são fãs irrecuperáveis da banda de punk rock feminista L7. Uma notícia no site oficial e na fanpage da banda, levava a esperança de que uma possível reunião poderia acontecer, após o repentino fim no ano de 2000. Apenas um pedido foi feito a gama de fãs da cena online da banda: “Nós precisamos do seu entusiasmo contínuo, que vocês espalhem a palavra ao compartilhar nossos posts, e fazendo com que seus amigos e inimigos curtam nossa página no Facebook.”

As cartas foram distribuídas e os dados foram rodados. A L7 colocou sua possível reunião na capacidade com que seus fãs terão de colocá-las em evidência, como nos anos 90, agora com  a internet como uma ferramenta de interlocução entre todos os meios recorrentes.

No entanto porque para essa coluna é tão interessante que essa ação esteja acontecendo?

Bom, primeiramente, a L7 é uma banda de punk rock feminista (a autora não se responsabiliza pelo gosto musical dela poder ter algum tipo de influência sobre vocês), envolvida em causas em prol da mulheres — o Rock for Choice é uma fundação criada pela banda que visa lutar pelos direitos básicos da mulher, como, por exemplo, a legalização do aborto — e elas são boas demais, ganharam um espaço dentro da cena punk que foi constituída como uma cena majoritariamente masculina e — por consequência — machista. Elas são respeitadas por mulheres, homens e fizeram isso lutando pelo gênero feminino!

Kristen Schilt, pesquisadora da Universidade de Chicago, apresenta em seu texto “‘Riot Grrrl Is…’: The Contestation over Meaning in a Music Scene” um motivo para a cena de punk rock feminino estar tão ligada, por parte das integrantes, ao movimento feminista. A necessidade e a vontade de afrontar as regras do patriarcado fizeram com que feministas se voltassem para o movimento punk que, é por si só — como aponta David James em “Poesia/Punk/Produções: Alguns textos recentes em Los Angeles” — um movimento de rebelião contra os padrões sociais impostos, ironizando-os e os negando. Essa característica, de questionamento e não aceitação da naturalização, atraíram as militantes feministas como mariposas são atraídas para a luzes brancas, isso fez com que, entre as décadas de 80/90 surgissem cada vez mais bandas como Pussy Riot, Bikini Kill, The Distillers e L7. Com suas formações tendo uma maioria de mulheres, onde a questão central era a liberdade de expressão, sexual e de existir sendo mulher.

Segundo a professora e especialista em feminismo e estudos de gênero Gayle Wald, foi justamente nos anos 90 em que as artistas femininas se aventuraram no rock e em suas subculturas, sem serem membros apagados e sem evidência, mas como líderes com vozes que eram escutadas. Elas celebram a feminilidade e combatem através de suas composições e performances, os discursos machistas que se inserem dentro das subculturas musicais onde o comum era o domínio do masculino. É dentro desse contexto que a L7 ganhou evidência. Questionadoras, punk rockers e feministas, as 4 integrantes não aceitavam ficar nos bastidores, já estavam inseridas no nicho do punk rock desde o início dos anos 80 e chamaram muita atenção de muita gente.

Um exemplo de como elas valorizam a questão das lutas feministas era a preferência que elas davam para covers de bandas femininas. Inclusive, em 91, a banda organizou um álbum intitulado Spirit of’73: Rock for Choice com o objetivo de ajudar a sua organização — Rock for Choice — de apoio e luta em prol dos direitos das mulheres. O disco reunia bandas femininas dos anos 90, tocando covers de bandas femininas dos anos 70.

Outro exemplo, é a discussão da liberdade sexual, do “faço do meu corpo o que quero”. Em 2000 — o ano em que se deu o fim da banda — Dee Plakas, a baterista do L7, decidiu rifar uma noite de sexo na Inglaterra. A banda afirmou que se tratava de uma retribuição a tudo que os fãs ingleses e a Inglaterra havia as oferecido, desde uma ótima turnê, até material para masturbação desde que eram crianças. Kristen Schilt mostra que comportamentos agressivos e chocantes são comuns entre mulheres punk, já que elas estão inseridas numa cena hardcore, onde a evidência é o masculino e a masculinidade. O caminho encontrado para as mulheres saírem do backstage não poderia ser outro além da violência — não necessariamente física — para se equiparar ao homem punk.

A importância de bandas de rock de mulheres é inegável. É preciso ter a compreensão de que, dentro do rock e de seus subgêneros, não existe somente o homem, mesmo que ele seja deveras mais valorizado. As mulheres que pretendem e querem se inserir nesse meio precisam conhecer seu próprio empoderamento e espaço, para isso, bandas como a L7 são fundamentais. Por isso é muito importante que entendamos o peso que é uma possível reunião desse marco que contribuiu para a entrada de muitas meninas da cena punk, agora vamos observar a forma interessante que elas decidiram por incentivar os fãs a participarem dessa volta.

A nova mídia se mostra, como diz David E. James em “Poesia/Punk/Produção: Alguns textos recentes em Los Angeles”, com uma “postura clássica, mais fria e muito mais consciente de si”. Como resposta a esse posicionamento “estúpido”, a cena punk ainda existente ignora meios de massa como a televisão, e se utilizam da melhor forma possível da internet, ferramenta muito mais passível de utilização com o objetivo de passagem de informações corretas e interações. Como se fosse uma ampliação das antigas fanzines, a internet com seus web sites, redes sociais, fóruns e comunidades, funciona como uma forma de comunicação, criando, assim, uma fortíssima cena punk rock online.

Os pesquisadores Marildo Nercolini e Lucas Waltenberg falam um pouco sobre essa não tão nova forma de interação no online no artigo “Novos mediadores na crítica musical”. Entende-se que com a chamada Web 2.0 (termo de Tim O’Reilly) existe uma facilitação entre a comunicação artista/consumidor. O leitor de uma crítica ou a pessoa que escuta uma música se tornam com uma facilidade muito maior criaturas ativas ao “publicar, compartilhar, comentar e participar”, em relação ao seu objeto de afeição. A cena punk sempre teve um “quê” de comunitário, portanto é mais do que lógico que ela se encaixe muito bem com a ideia de proximidade disseminada pela Web 2.0. É por isso que faz muito sentido que a L7 convide para que seus fãs; que fazem parte da comunidade online, participando de sua fanpage, olhando o site da banda e ficando atento as informações, as ajudem a se reencontrarem. A banda possui um histórico de interação muito interessante com a plateia e é claro que uma ação desse nível não ficará fora da atenção daqueles que a cultuam.

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Portanto, é importante que saibamos qual o devido valor de uma ação como esta. Uma banda de punk rock feminina, que influenciou — e influencia até hoje — milhares de meninas a não desistirem de tocar suas guitarras, baterias, baixos ou qualquer instrumento antes dominado por uma maioria masculina, está prestes a voltar a fazer seus gigs alucinantes e polêmicos e convida que todos os fãs “espalhem a palavra”, para que cada vez mais pessoas possam conhecer a música feita por ela. Se este ato der bons resultados, será uma lição ótima para aqueles que são céticos quanto a importância da cena online. Mesmo que a movimentação seja pequena, isso já é de extrema importância para o feminismo, pois são mulheres empoderadas e mostrando isso, para que o mundo possa ver e aplaudir.

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Catarina, feminismo e a guerra dos sexos: parte 2

Catarina, feminismo e a guerra dos sexos: parte 2

“Eita raça desunida

Feminismo não existe

Quando rola é uma pica”

O trecho acima é da última faixa do álbum Mulher Cromaqui, “Raça Desunida”, de Catarina. Uma coisa interessante de ser observada é que essa faixa foi vista por alguns jornalistas e blogueiros que a interpretaram como uma sátira as “então ditas feministas”. Um equívoco. Catarina rebateu a algumas críticas em seu próprio Facebook e em entrevistas que podem ser vistas online, mas vamos a análise da música em si.

Lipovetsky fala em um texto no seu livro “A terceira mulher: permanência e revolução do feminino”, sobre as diferenças que passam a surgir no “neofeminismo” por conta do “individualismo processualista”. Ou seja, enquanto ressalta que existe uma cultura da vitimização por parte de feministas norte americanas, que visam um maior controle público da vida privada, enchendo a sociedade de leis anti pornografia, assédio sexual, códigos comportamentais e de linguagem, também existe o feminismo europeu, mais prático e que dá a liberdade do convívio entre ambos os gêneros, sem sobreposições.

A preocupação mostrada por Lipovetsky é de que, o que ele chama de, “ultrafeminismo neoliberal” induza o fim do convívio entre gêneros ou a sua diminuição, já que ele se utiliza de meios legais para que aconteça uma repressão sexual. Leis que inicialmente, podem vir a evitar crimes repugnantes, mas que também podem inferiorizar a mulher e seus próprios desejos sexuais, já que essas “regras de bom convívio” têm raiz no puritanismo religioso. O pudor prezado pela sociedade americana, e, inevitavelmente, pelas feministas estadunidenses, é o mesmo pudor protestante que usa o sexo como ferramenta de poder, para oprimir o ser feminino. É contra isso que as ultrafeministas lutam, usando os meios legais, mas que acabam por ressaltar o discurso de opressão ao corpo feminino – quando lutam em favor de leis contra a pornografia, por exemplo.

Em contra partida, Gilles Lipovetsky aponta o lado das feministas europeias – cabe lembrar que o filósofo é francês – e que não concordam com as práticas das norte americanas.  Ele afirma que tanto na França, quanto em outros países europeus a categorização do ser masculino como um inimigo nato e um agressor natural não é levado a sério. O que ocorre na Europa é uma busca da igualdade entre gêneros, mas sem a exclusão total dos “jogos de sedução”. A busca é do respeito pelo respeito democrático, e não pelo medo judicial. De fato, Lipovestsky faz a seguinte colocação: “O modelo europeu nada tem de saudosista, antes encarna a maneira pós-moderna de modificar as relações entre sexos sem fazer tábua rasa do passado.”

Essas duas formas de pensar são muito diferentes, quase opostas. Então, cabe fazer a pergunta, como serão as formas de feminismo nos países fora do eixo Estado Unidos – Europa? Como será o feminismo no Brasil? No meu olhar, Catarina mostra como essa questão é complexa e ambígua dentro do solo verde e amarelo. Com a música “Raça Desunida” ela mostra não somente como a mulher é retratada na sociedade e na mídia (“Mulher já nasce assim”), mas também mostra, no refrão, a desunião das mulheres, isso incluindo as feministas, quando o assunto vem a ser os seres do sexo masculino (“Quero o seu macho/ Quero o seu irmão/ Quero o seu pai me pagando uma pensão”). Essa desunião acontece por conta da diferença de detalhes ideológicos, gerando brigas que “enfraquecem o movimento”.

Portanto, é possível dizer que dentro do país temos uma divergência de ideologias no próprio movimento feminista. É claro que muitos podem considerar a visão de Lipovetsky ultrapassada por ser tão dicotômica, ou antiga pela época em que ele escreveu. No entanto, a visão não é desatualizada se formos pensar no movimento feminista atual, mesmo dentro do solo brasileiro. De uma forma, Catarina mostra essa dicotomia, sendo ela feminista ativista, ressaltando a diferença entre pensamentos que desunem uma “raça”.

Essa desunião é, em parte, o que contribui para o imaginário machista social que dita mulheres como megeras falsas, “amigas fura olho”, de forma naturalizada, porque “mulher já nasce assim” e que ainda estimula alguns discursos impregnados de puro preconceito e subjugamento do gênero (“Saímos da cozinha/ Começou a confusão”). A questão da naturalização do “dever” feminino e os problemas ligados a ela também é constatado por Lipovetsky, que afirma que isso seria um traço da primeira mulher (a mulher mais submissa e inferiorizada), mas que é imposto socialmente à terceira mulher (a mulher mais moderna, que conhece e conquista seu espaço, mesmo com dificuldades) como forma de “naturalizar” o espaço que, para o patriarcado, deve pertencer a ela.

“Raça Desunida” se faz como uma crítica a essa visão que a sociedade e a mídia veiculam da mulher, mas também a ideia que sustenta esse tipo de pensamento. As próprias mulheres, com suas pequenas divergências quanto a posição em que deveria ser colocado o portador do falo, entram em desentendimentos contornáveis, mas que se mostram impossíveis de resolver por limitações ideológicas e sociais. Lipovetsky e Catarina concordam nesse sentido. A igualdade ou a justiça deveriam ser procuradas antes do movimento se desintegrar.

“Ninguém nunca ganhará a Guerra dos Sexos porque existe muita confraternização com o inimigo.” (Henry Kissinger)

“Não é preciso ser anti-homem para ser pró-mulher.” (Jane Galvin Lewis)

“Existem poucos trabalhos que exigem possuir um pênis ou uma vagina. Todos os outros deveriam ser acessíveis a todos.” (Florynce Kennedy)

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Pós-pornografia na América Latina: 05/06

Nossos últimos textos! Leiam com carinho!

PELÚCIO, Larissa. Subalterno quem, cara pálida? Apontamentos às margens sobre pós- colonialismos, feminismos e estudos queer. Contemporânea – Revista de Sociologia da UFSCar, v. 2, p. 395-418, 2012.

https://drive.google.com/file/d/0BwoMpUnuSgp7eXFtckJka0tlYTA/edit?usp=sharing

SARMET, Érica. Pós-pornô, dissidência sexual e a situación cuir latino-americana: pontos de partida para o debate. Revista Periódicus, América do Norte, 1, mai. 2014. Disponível em: http://www.portalseer.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/10175/7263

O regime fármaco-pornográfico e a pós-pornografia: 29/05

Olá,

seguem abaixo os textos para a aula da próxima quinta-feira, 29/05:

COELHO, Salomé. Por um feminismo queer: Beatriz Preciado e a pornografia como pre-textos. Ex aequo, 2009, no.20, p.29-40

https://drive.google.com/file/d/0BwoMpUnuSgp7cnVPRXRtNV9PR28/edit?usp=sharing

CAMARGO, Wagner Xavier de; RIAL, Carmem Silva de Moraes. Hormônios e micropolíticas de gênero na era farmacopornográfica. Cadernos Pagu, 2010, n.34, pp. 363-371.

https://drive.google.com/file/d/0BwoMpUnuSgp7LUEzRkVoQnFSOFU/edit?usp=sharing

Como o segundo texto é uma resenha do livro “Testo Yonqui” (2008), de Beatriz Preciado, segue abaixo o link do livro para quem se interessar. Em espanhol.

https://drive.google.com/file/d/0BwoMpUnuSgp7aVZKbHBZUXM5TWM/edit?usp=sharing

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