Karim, melodramático

Karim, melodramático

A Mostra Karim, melodramático, que acontece entre 26 a 28 de novembro, na sala Interartes – UFF, vai (re)apresentar os filmes ficcionais da carreira do cineasta Karim Aïnouz pela perspectiva da imaginação melodramática. O diretor e roteirista produziu, a partir do início dos anos 2000, oito filmes de ficção, sendo sete deles rodados no Brasil. Família, desejo, amor e liberdade são alguns dos temas comuns presentes nesta obra que é muito diversa em personagens, paisagens e temporalidades.

Os longa-metragens Madame Satã (2002), O Céu de Suely (2006), Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009), O Abismo Prateado (2013), Praia do Futuro (2014) e A Vida Invisível (2019) conversam entre si não apenas pela autoria de Karim Aïnouz, mas porque caminham lado a lado com outras produções ficcionais
contemporâneas que dialogam de modo singular com a nossa tradição melodramática.

Karim, melodramático quer debater as múltiplas aproximações com o melodrama que se tornam visíveis no olhar panorâmico que uma mostra consegue oferecer. Além dos seis longas do diretor, com sessões gratuitas e abertas ao público, a mostra Karim, melodramático propõe duas sessões de debate com pesquisadoras do NEX para refletir sobre as matrizes do melodrama e seu papel como mediação cultural e política no contexto brasileiro e latino.

A recepção crítica desses filmes ao longo das duas últimas décadas foi, no mínimo, difusa, correspondendo também à diversidade de escolhas narrativas e estilísticas do diretor. No entanto, essa mostra busca mergulhar nestas obras com um novo olhar para elas, observando não o que as diferencia, mas direcionando o olhar para as aproximações e sensações semelhantes que o cinema de Karim suscita.

DATA: 26 a 28 de novembro
LOCAL: Sala Interartes, Casarão IACS UFF, Niterói
Realização: NEX – Núcleo de Estudos do Excesso nas Narrativas Audiovisuais

Programação

26 novembro: Corpos e sexualidade
14h – Madame Satã (2002, Karim Aïnouz, 105min)
16h – Praia do Futuro (2014, Karim Aïnouz, 105min)
18h às 19h – Excessos, repetições e os diálogos com o melodramático.

Debate com pesquisadoras do NEX

27 novembro: Matrizes populares
14h – O Abismo Prateado (2013, Karim Aïnouz, 80min)
16h – O Céu de Suely (2006, Karim Aïnouz, 90min)
18h às 19h – O melodramático como mediação cultural. Debate com pesquisadoras do NEX

28 novembro: Deslizando Amores
14h – Viajo porque preciso, volto porque te amo (2009, Karim Aïnouz, 75min)
+ Seams (1993, Karim Aïnouz, 30min)
16h – A Vida Invisível (2019, Karim Aïnouz, 140min)

Gêneros do corpo e as disciplinas de educação sentimental burguesa

Por Mariana Baltar

Em ” Notas sobre a cultura somática”, Jurandir Freire Costa vai reavaliando as crenças e o papel relegado ao corpo na educação sentimental burguesa, para então mapear as mudanças que constituem a contemporânea cultura e personalidades somáticas. Com base em Peter Gay e Norbert Elias, resume desse modo os conjuntos de disciplinas que normalizaram o corpo e seus sentidos no contexto moderno de construção do homem sentimental: “As disciplinas sexuais visavam a moderar os prazeres sensuais de modo a drená-los par ao sentimentalismo amoroso, o cuidado com a família ou a sublimação artístico-científica. As intelectuais buscavam adequar os sentidos e a motricidade às exigências da cultura erudita: ler em voz baixa e de forma correta, escrever bem (…).

As higiênicas tinham por objetivo adestrar a visão, a audição, o tato, o gosto e o olfato, de modo a despertar nos indivíduos desprezo ou repulsa pela sujeira, feiúra e grosseria dos corpos mal-educados.(…) Por fim, as disciplinas de apresentação socialou regras de etiqueta ensinavam aos indivíduos como se vestir, andar, sorrir, sentar, receber convidados, conversar, dançar, cantar, tocar nutrimentos musicais etc. a fim de que o ‘ berço’ dos bem-nascidos fosse evidente à primeira vista” (p.207).

Pensando na dupla dimensão da pedagogia das sensações, bem poderíamos notar como cada uma dessas disciplinas responde correlatamente a um gênero (do corpo) institucionalizado ao longo do projeto de modernidade. Assim, as disciplinas sexuais correlacionam-se ao domínio da pornografia; as intelectuais, ao realismo; as higiênicas, ao horror; e as de apresentação social, ao melodrama. Forças análogas que respondem a uma sensibilidade comum, colocando os gêneros como instrumentos do projeto de educação sentimental. Dispositivos de uma pedagogia das sensações que alimenta e orienta tal projeto.
Parece um caminho a ser traçado, que tem a imensa vantagem de incluir o domínio do realismo no universo sensório-sentimental da pedagogia das sensações. Vejamos onde isso vai dar.

Pedagogia das sensações

Por Mariana Baltar

A noção de pedagogia das sensações procura dar conta das implicações (politico-culturais e narrativas) de discursos que parecem compartilhar entre si estratégias comuns vinculadas ao modo de excesso. Essa matriz comum garante uma relação com o público pautada no pathos e em uma lógica de engajamento sensório-sentimental.
O pressuposto (e proposta para reflexão) é que essa lógica sensório e sentimental é igualmente fundante do projeto de modernidade, o que resulta no impulso pedagogizante do sensacional, presentificado a partir do fio condutor do excesso (são narrativas, portanto, que tem traços em comum, a despeito das diferenças internas).
O excesso aparece como estratégia temática e estética no diálogo com o público, atuando através de uma lógica pautada no pathos. Mas ele é também elemento importante na esfera de “pedagogização” de uma lógica sensacional e sentimental que se expressa ao lidar, via formatos narrativos associados ao gosto popular (retomando aqui a matriz popular do excesso, conforme teoriza Jesús Martin-Barbero), com tensões e anseios da modernidade. De um lado, “ensinando/cristalizando” sobre a experiência da modernidade a partir de um sensacional, mobilizando o universo dos estímulos (na linha do que trabalha o Ben Singer, por exemplo, a partir do Simmel) e, de outro, “domesticando” o lugar do sensacional na modernidade (e ai, claro, bastante coerente com o tão apontado projeto moralizador dos “gêneros do corpo”).
No mergulho analítico e conceitual, partimos, a princípio, dos gêneros (entendendo este não como um conjunto de códigos estanques e imutáveis, mas seguindo a pista mais ampla de uma abordagem que Rick Altman nomeia como sintática/semântica/pragmática) definidos por Linda Williams como “gêneros do corpo” (a saber, o melodrama, a pornografia e o horror), mas reconhecemos que eles não estão sozinhos (poderiamos incluir o musical e certo tipo de comédia, por exemplo). Também entendemos que é preciso, para além do mergulho no universo genérico, cercar o conceito do excesso como elemento estilistico (tecido na narrativa) bem como matriz cultural.
O excesso é um conceito complexo e o NEX!!! – Nucleo de Estudos do Excesso nas Narrativas Audiovisuais tem se debatido sobre isso. Como matriz cultural, tem nos ajudado os trabalhos do Jesus Martin-Barbero, do Bakhtin e do Peter Burke (todos pelas leituras das estratégias e matrizes de uma cultura popular). Mas o nó aparece ao precisar o excesso como elemento estético (se me permite o uso do termo). Por enquanto, estamos apostando na leitura do excesso como uma “aglutinação” do espetáculo e do êxtase, onde, grosso modo:
* o primeiro coagula o universo moralizante da narrativa stricto senso (contruindo vetores de identificação, incorporando um impulso do realismo sem ser realista – para poder justamente sustentar o efeito pedagógico moralizante do engajamento passional proposto, por exemplo, no melodrama.
* o segundo condensa o universo do êxtase, entendido como intensidade, estímulos sensoriais, pulsação, choque. Uma matriz, diga-se de passagem, igualmente importante para certa tradição da vanguarda (penso na dos anos 1920, por exemplo, ou em certos filmes do Brakhage); e daí, o que distingue o extasiastico da vanguarda (uma face do excesso, sem dúvida) do Excesso dos “gêneros do corpo” talvez seja a ausência ou submissão da face do espetáculo.
É uma aposta não totalmente pacificada, pois, ainda me incomoda nela um certo binarismo que apaga a contradição constitutiva dessas narrativas do excesso. E acho que devemos é abraçar a ambivalência. Mas sigo com aposta, vejamos no que dá.
Lembro ainda que a ideia de uma pedagogia das sensações nasceu, ainda na época da minha tese, a partir dos diálogos com a Prof. Ana Lúcia Enne, que na época, junto com a Prof. Marialva Barbosa, trabalhava o universo do sensacionalismo (pensando este como inserido no fluxo do sensacional, ou seja, vinculado à matriz cultural popular).

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