O eterno problema das definições, ou melhor, quando definir

Por Mariana Baltar

Pensando a partir do ótimo post da Érica e das discussões no grupo. As definições de formato (e isso se aplica também aos gêneros) são úteis principalmente porque nos fazem pensar com e a partir das narrativas. mas como a reflexão da Érica tem demonstrado, elas não podem ser gavetinhas onde localizar os programas.

Uma coisa boa de pensar, e que é nossa linha de discussão no grupo, é que definir/classificar não é um processo fechado; não é uma resolução definitiva, mas um marco referencial que serve, mais ainda do que para definir os padrões, para nos ajudar a enxergar melhor os desvios e apreciá-los de modo mais intenso.
ontem mesmo estava lendo um texto do Roland Barthes que me lembrou essa discussão, onde ele teorizava sobre a noção de estilo. o texto era o O Estilo e sua imagem e está no Rumor da Língua em que ele diz: “Escrever é, então, deixar vir a si esses modelos e transformá-los“. Mais adiante, ele lembra que o estilo, mais que as marcas individuais, está ligado aos códigos, aos modelos (padrões) que citados e desviados (um “corpo de vestigios”, diz ele – ADORO!) conformam também um outro sistema estilístico. De modo correlato (vejam, não igual) podemos pensar os gêneros. (aqui vale ler principalmente Steve Neale) e formatos.
Acabei desviando do assunto, quando na verdade queria era chamar a atenção para a necessidade de relativizarmos (ainda que seja super importante) as definições e distinções como essas entre série, seriado e sitcom.
o que importa também é nos perguntarmos quando se define? quando somos convocados a definir e distiguir? e como essa definição orienta um sistema de produção (que no caso da ficção seriada é fundamental) e uma experiência de consumo determinada.
enfim, coisas que pensei a partir da ótima estruturação da Érica e do grupo.

As séries criminais e as sitcoms

Por Érica Sarmet

Durante a leitura do texto “A Televisão Levada a Sério”, do Arlindo Machado, me peguei pensando em algumas categorias de séries específicas que, dificilmente, se encaixariam em nossas definições de “série”, “seriado” ou “sitcom”. Relembrando as definições discutidas no grupo:

Séries: são programas que se estruturam de maneira episódica, apresentam temporadas diversas e cujo desfecho narrativo já está determinado desde seu começo. Por exemplo: a série “Smallville” retrata a adolescência de Clark Kent, o Super-Homem. Nós sabemos que a série irá acabar quando Clark Kent se mudar para Metrópolis, trabalhar como jornalista no Planeta Diário e salvar as pessoas diariamente com seu uniforme clássico azul e vermelhosob o título de Super-Homem. Quando ele assumir essa identidade completa, “Smalville” chegará ao fim, pois o espectador já sabe o que acontecerá a partir daí – ele já leu as historias em quadrinhos, viu as séries e os filmes – e é exatamente por esse motivo que ele acompanha “Smallville”: o espectador quer ver a trajetória que o personagem Clark travará até chegar ao seu final – ou começo, melhor dizendo – já conhecido.

Outros exemplos de séries são Lost (o objetivo da série é chegar ao seu final, revelando seus mistérios – se pudesse durar 15 temporadas, como ER, dificilmente teria o mesmo sucesso) e séries que retratam fases específicas da vida dos personagens, como adolescência.

Seriados: são programas que se organizam de maneira episódica, apresentam temporadas diversas e cujo desfecho se encontra em aberto. Como exemplo podemos citar ‘Grey’s Anatomy “, “True Blood” e diversos outros. “Grey’s Anatomy”narra a trajetória de Meredith Grey (Ellen Pompeo) e seus colegas residentes no programa cirúrgico do hospital fictício Seattle Grace. A cada temporada vemos novas situações enfrentadas pelos personagens, porém não há um final determinado, nem mesmo há a certeza de um final: a personagem principal pode morrer, dando fim ao seriado ou não; os outros personagens centrais podem sair, como é o caso de George O’Malley, que morreu na quinta temporada, ou da personagem Addison Montgomery, que ganhou seu próprio spin-off, “Private Practice”. Não há um desfecho certo com que os roteiristas tenham que se preocupar, como é o caso de Smallville, Lost, etc.

Sitcoms: “sitcom” é uma abreviatura da expressão em inglês“situation comedy” ou “comédia de situação”. Sitcoms consistem em séries de televisão, geralmente comédias, que se estruturam em ambientes comuns e reduzidos, como família, grupo de amigos e ou local de trabalho. Possuem em média 30 minutos de duração (contando o tempo do intervalo comercial), número de cenários limitado (geralmente 1 ou 3 ambientes fixos) e narrativas que tem seu início e fim no mesmo episódio. Exemplo:“Friends”conta com 6 personagens principais, havendo geralmente 2 ou 3 narrativas que se desenvolvem paralelamente no mesmo episódio, mas que quase nunca se prolongam pelos episódios seguintes (com exceção das “season finale”, os finais de temporada). Grande parte das sitcoms é gravada em frente a uma platéia ao vivo e caracterizadas pela presença da “claque”, o som artificial de risadas; no entanto, existem séries que podem ser descritas como sitcoms e não apresentam nenhum desses dois elementos, como é o caso de “Scrubs”“30 Rock” e “The Office”.

A partir desses conceitos, fiquei pensando em qual deles se encaixaria por exemplo o filão de séries criminais, como “Law & Order” e “Cold Case”. 

“Law & Order”“Cold Case”“CSI”, “Criminal Minds”, séries “criminais” ou “investigativas” em geral possuem a mesma estrutura narrativa das sitcoms: há geralmente 2 ou 3 narrativas que se desenvolvem paralelamente no mesmo episódio, mas que quase nunca se prolongam pelos episódios seguintes (com exceção das “season finale”, os finais de temporada). As narrativas pessoais dos personagens – que seriam o arco narrativo que poderia trazer uma linearidade à série – geralmente ficam à margem: de uma temporada inteira temos um ou outro episódio que revela uma parte dessa narrativa, que geralmente fica em segundo plano em relação às narrativa principais do episódio (a investigação, o crime principal). Um espectador pode assistir aos episódios de maneira descontínua, dificilmente ele não vai entender o que se passa. Não há um arco narrativo que se mantenha ao longo dos episódios e das temporadas, como acontece com séries e seriados.

Seria o caso então de classificá-las como sitcoms? De que maneira essa classificação afetaria a tradição das sitcoms? A temática central – a investigação – as impediria de serem classificadas como tal? Isso implicaria na criação de um novo termo, ou séries criminais deveriam ser colocadas no saco de “seriados”, por não apresentarem um desfecho definido e poderem durar 10, 20 temporadas, como é o caso de Law & Order?

A meu ver, classificar as séries criminais como sitcoms é uma atitude audaciosa pelo fato de “sitcom” ser o único conceito de tv drama que está bem consolidado na mente das pessoas: até sites especializados em críticas de séries se confundem na hora de defini-las como “série” ou “seriado”, mas ao falarem de “sitcoms” quase sempre fazem questão de nomeá-las como tal e de marcar essa distinção, sempre se referindo a séries de comédia de 30 minutos.

Outro elemento importante a ser discutido é o fato dessas séries serem semelhantes em termos de estrutura narrativa, mas se formos levar em consideração outras características utilizadas para definir sitcoms, como o numero limitado de cenários, o ambiente geralmente familiar/amigos/trabalho, o tempo do episódio, aí elas se distanciam consideravelmente: séries criminais na maioria das vezes não repetem cenários, tem muitas externas e sim, quase todas se desenvolvem em um ambiente de trabalho, mas o local de trabalho não é o que gera as narrativas – como em the office ou scrubs, por exemplo – , elas não dependem do ambiente de trabalho para ocorrerem: o que está em questão não é a interação entre os colegas, e sim o trabalho, a investigação. Ele pode se desenvolver na delegacia, no laboratório, mas também nas ruas, nas entrevistas, na investigação.

Esses questionamentos me levaram a pensar mais sobre as estruturas de algumas séries, principalmente nas séries que se passam em locais de trabalho e em como as narrativas pessoais dos personagens se desenvolvem de maneiras distintas em algumas delas. Esse assunto fica para o próximo post.

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